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Artigos semanais, quarta feira, 22 de agosto 2012

Alba dos caminhos espirituais

Aconteceu neste final de semana um importante encontro de líderes e cristãos de várias Igrejas em Caracas, capital da Venezuela. Esse encontro não foi para falar de suas Igrejas e sim para refletir sobre o novo caminho social e político que se fortalece em vários países da América Latina. O objetivo foi aprofundar o compromisso espiritual dos cristãos em participar e colaborar com esse processo. O encontro sobre bolivarianismo e espiritualidade cristã concluiu que, hoje, ser cristão, na América Latina, implica em participar de todo processo social que rompa com a desigualdade social e vença o estado crônico de injustiça em que vivem muitos de nossos países. Já em 1968, na famosa conferência do episcopado católico latino-americano em Medellín (Colômbia), os bispos denominaram a realidade social e política do continente como uma situação de injustiça estrutural. Ora, como afirmou Dietrich Bonhoeffer, mártir do nazismo: “Não basta fugir do mal. A ética cristã nos manda combatê-lo”. Tanto os participantes da Venezuela, como pastores e teólogos/as de outros países, colocaram em comum uma lúcida análise da realidade social e política do continente. Analisaram profundamente o chamado “processo bolivariano”. Chama-se assim porque se inspira no pensamento e ação de Simon Bolívar, o libertador de vários países da América Latina no início do século XIX. Constataram que se trata de um caminho de mudanças sociais e políticas que parte da promoção humana dos empobrecidos, toma como prioridades a educação e a saúde para todos e valoriza as culturas indígenas e negras ainda marginalizadas em nosso continente. A UNESCO reconheceu que a Venezuela, o Equador e a Bolívia são países que superaram totalmente o analfabetismo, triplicaram o número de jovens nas universidades gratuitas do Estado e estenderam a todo o país o atendimento médico de família e um plano de habitação que inclui milhões de pessoas. Concretamente, os cristãos reunidos nesse final de semana em Caracas, afirmaram ecumenicamente que as iniciativas de integração emergente em vários países do continente são sinais da realização do projeto divino no mundo. E não somente sinalizaram seu apoio a organismos comerciais e culturais que unem nossos países, como reconheceram que esse caminho de integração entre os países e de diálogo entre as culturas desafiam também as Igrejas a intensificar seu esforço pela unidade a serviço da paz e da justiça no mundo. 

Muitas vezes, no passado, as Igrejas se posicionaram contrárias a processos sociais e políticos de natureza transformadora. Parecia que  toda religião é por essência contrária às mudanças sociais transformadoras. Entretanto, a partir da década de 60, muitos cristãos e ministros de Igrejas, com fome e sede de justiça, se inseriram nos movimentos e grupos que lutavam por mudanças sociais. Dessa prática surgiu a Teologia da Libertação que nesse ano completa 40 anos de serviço às melhores causas da humanidade. Sem dúvida, o novo caminho bolivariano é expressão de muitas lutas e conquistas concretas dos movimentos sociais, mas nesse caminho, foi também importante a participação ativa e profunda de cristãos, assim como o apoio de ministros, tanto bispos e padres católicos, como pastores e pastoras evangélicos.  Essa abertura dos cristãos ao processo revolucionário emergente no continente tem sido também um caminho espiritual que tem feito bem à própria fé. Conforme a maioria das tradições espirituais, a espiritualidade é um processo que deve ajudar a cada pessoa evoluir do estágio de amor egocêntrico, para o etnocêntrico até atingir uma capacidade de amorosidade aberta a todo ser humano e ao próprio universo. O processo revolucionário se dá, então, no nível social e político, mas também no plano pessoal. E quem tem fé reconhece Deus na origem e na condução desse processo. O salmo nos faz orar: “Em ti, está o manancial da vida. Através da luz que vem de ti, (luzes humanas), vemos a tua própria luz” (Sl. 36, 9).

Marcelo Barros

Camaragibe, Pernambuco, Brazil

Sou monge beneditino, chamado a trabalhar pela unidade das Igrejas e das tradições religiosas. Adoro os movimentos populares e especialmente o MST. Gosto de escrever e de me comunicar.

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