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Conversa, domingo, 12 de agosto 2012

Queridos irmãos e irmãs, 

Nesse final de semana, muitas comunidades eclesiais comprometidas com a realidade latino-americana recordaram a memória de frei Tito Alencar, dominicano que depois de ter sido barbaramente torturado pelo famigerado delegado Sérgio Fleury, suicidou-se quando estava exilado na França. É considerado um mártir da fé e da caminhada, pois sua morte foi resultado de tudo o que sofreu da ditadura militar brasileira, pelo único crime de, como tantos jovens, querer um Brasil mais livre e mais igualitário. Às vezes, vendo a realidade atual do nosso país, podemos nos perguntar: será que mártires como frei Tito e tantos outros que deram a vida por um futuro diferente, morreram em vão? Frei Tito morreu no dia 10 de agosto de 1974 e Margarida Alves, lavradora da Paraíba, deu a vida no dia 12 de agosto de 1983 - pela defesa dos lavradores. Lembro-me de ter vindo a missa de sétimo dia de sua morte em Alagoa Grande - PB. Quando hoje vemos uma Igreja mais voltada para si mesma e mais preocupada em shows litúrgicos e em cultos de massa com o papa, parece que a profecia evangélica desapareceu. Entretanto, nas bases, continua forte esse amor e o Espírito de Deus continua suscitando profetas e profetizas da justiça. Nesse próximo final de semana, em Caracas, na Venezuela, cristãos de várias Igrejas, padres, religiosos e religiosas católicos, em alguns casos, desobedecendo a seus bispos conservadores, vão se reunir em um encontro internacional sobre espiritualidade e socialismo bolivariano. Eu devo ir e falar nesse encontro. Mas, o importante é que será um encontro de apoio a muitos trabalhos de base que estão em andamento e a partir das comunidades indígenas e negras. E se espalha por toda a América Latina essa convicção: quando a injustiça domina e o sistema vigente procura remédio no mesmo bacilo que provocou a doença, isso é, quer resolver a crise econômica e de civilização, com medidas capitalistas, então, só resta a revolução. A novidade agora é que se trata não de uma revolução armada e violenta, mas de uma revolução pacífica e espiritual, entretanto radical e transformadora do social e do político. Não transformadora de repente, mas como um processo. 

Em 1973, os bispos do Nordeste escreveram um documento chamado "Eu vi a opressão do meu povo". Nele diziam: "Devemos vencer o capitalismo: esse é o grande mal, o pecado acumulado, a raiz podre, a árvore que produz  frutos como a pobreza, a fome, as doenças, a morte. Para isso é necessário que a propriedade privada dos meios de produção (as fábricas, a terra, o comércio, os bancos) sejam destronados”[1]. 

Hoje, o governo da Bolivia, do Equador e da Venezuela praticam exatamente isso e muitos bispos não compreendem e nem aceitam. Os mesmos bispos que nunca protestaram na época das ditaduras militares e de elites corruptas. Agora protestam e se negam a participar. No Paraguai, quando o congresso deu o golpe expulsando o presidente Lugo sob a acusação de que ele protegia os lavradores sem-terra e estava contra a lei, infelizmente o Vaticano e o arcebispo de Assunção foram os primeiros a se unir ao presidente golpista. Depois de amanhã eu irei a Assunção, convidado pelo presidente Lugo, para participar de um ato internacional de solidariedade ao seu governo e ao povo paraguaio. E faço isso como monge e por causa de minha fé, inclusive na palavra de Jesus que, de acordo com o evangelho desse domingo, se apresenta como pão da vida oferecido para a vida do mundo. Eu quero viver isso. 


[1] - Cf. SEDOC, VOL 6 (1973- 1974) PP. 993- 1021, citado por MICHAEL LOWY, A Dimensão Cultural do Capitalismo, in Cadernos Fé e Política, 11 (19940, p. 36. 

Marcelo Barros

Camaragibe, Pernambuco, Brazil

Sou monge beneditino, chamado a trabalhar pela unidade das Igrejas e das tradições religiosas. Adoro os movimentos populares e especialmente o MST. Gosto de escrever e de me comunicar.

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