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Conversa, quinta feira, 16 de julho 2015

Hoje, na tradição católica, é festa de Nossa Senhora do Carmo e como ela é padroeira da cidade do Recife, aqui onde moro é feriado e festa na Igreja do Carmo.

Como ocorre, frequentemente, em julho, por todo o litoral do Nordeste, as chuvas não foram avisadas de que, hoje, é dia de festa e os católicos desejariam fazer uma procissão pelas ruas centrais da cidade. Na minha fantasia suspeito de que lá no céu, Deus Pai chamou o Filho e o Espírito Santo e conversou com eles:

- Eu não tenho como convencer os católicos de que eles não são mais donos da cidade.

Já que se trata de uma Igreja Cristã, Jesus tomou as dores e tentou argumentar a favor do pessoal:

- O que vale, meu Pai, é o espírito. Olhe a fé e a piedade com que as pessoas simples pagam promessas e rezam nessa festa... E sabem, chegam a dar do que não têm e perdem até emprego para seguir a procissão. Como vamos dizer a eles que a nós esse tipo de culto não agrada e a nós isso tudo parece meio inútil?

O Espírito Santo interveio:

- O povo pobre, até eu consigo chegar, entrar e eles entram em transe diante do altar de Nossa Senhora do Carmo, como os fieis do Candomblé entrariam diante de Oxum. E se deixam mover pelo amor. A eles, eu até consigo inspirar e renovar.... mesmo com todo o aparato pesado das celebrações que eu não sei quem inventou. Acho que do nosso lado, não estava...

O Pai ajudou a clarear:

- Esse tipo de missa solene barroca usa as palavras e textos da liturgia renovada pelo Concílio Vaticano II que você, Espírito Santo, inspirou. No entanto, seguem a liturgia do Concílio por puro legalismo e seguem a letra, mas não o seu espírito. Pegam textos e gestos, mas fazem isso sem abrir mão das pompas medievais e do clericanismo instalado na Igreja na época em que ela se via mais como corte de faraós ou imperadores romanos do que como uma comunidade igualitária de discípulos e discípulas de Jesus. E muitos dos padres, bispos e agentes de pastoral nem percebem essa contradição entre as palavras que seriam expressões de amor, doação e serviço e os gestos que eles adoram de antigas cortes imperiais. O que fazer?

O Espírito respondeu:

- Não tenho a menor ideia. Como vocês sabem, depois de muito tempo, lá em Roma, o bispo começou a me acolher e se deixar impulsionar pelo que eu posso lhe soprar. Mas, ele está pagando por isso um preço muito alto e só pode ir até certo ponto... Por mais que a gente tente, a maioria dos bispos e padres católicos só prestam atenção a papa quando ele é reacionário. Quando ele é a favor do povo pobre e defende uma Igreja servidora dos movimentos sociais, ignoram totalmente o que ele diz.

Jesus que já se dava por vencido tentou ainda conciliar:

- Mas, justamente, uma festa assim popular é do gosto do povo pobre e por isso tem de ser do gosto do meu Pai e nós temos que aceitar, mesmo que seja como dar um pente de presente para quem é careca...

O Pai todo amor respondeu:

- É verdade. Eu não tenho dificuldade com as devoções populares, mesmo se elas são medievais e são cheias de sincretismo. Pouco importa. O problema maior é com os pastores...

O Espírito se dispôs  a ajudar:

- Tudo bem. Vou me encher de sua paciência amorosa e vou tentar soprar de novo para padres e agentes de pastoral. O que devo ajudá-los a descobrir?

Então, com um sorriso de ternura, o Pai desabafou:

- Lembre a essa gente boa que as procissões eram feitas na época em que a Igreja queria demonstrar ao mundo o seu poder e seu prestígio. Diga que eu não quero que eles usem meu nome para parar o trânsito do centro nervoso da cidade, sair nas ruas junto com a banda da Polícia Militar (a mesma que nas periferias é vista como responsável por muitas violências injustas) e reunir autoridades que nesse dia são sempre muito piedosas e até se oferecem para carregar o andor da santa, se os padres deixarem.

Jesus aproveitou a dica e continuou:

- Diga a eles que minha mãe sempre foi e quis ser uma camponesa pobre da Galileia e nunca foi rainha de nada. Por favor, não a coroem, como se isso fosse honrá-la e fazê-la feliz...

O Pai riu e completou:

- Certo. Se puder, até lembre a eles que essas imagens que eles usam na festa e na procissão vem de modelos do século XV e XVI que eram senhoras das cortesãs das monarquias europeias e depois que serviam de modelo para a Virgem Maria iam tiranizar suas escravas estrangeiras ou plebeias.

Jesus que, como sempre, olha as coisas pelo lado mais positivo, reagiu:

- Mas, vejam. Se vocês dizem isso, vão acabar com a devoção a Nossa Senhora do Carmo com seu escapulário e o costume do pessoal usar um pedacinho da roupa de monja que ela usa...

O Espírito tentou conciliar:

- Não. Nossa Senhora do Carmo é uma devoção nascida a partir do monte Carmelo e de uma ordem de eremitas pobres e que não tem nada a ver com o fausto das basílicas de hoje. Quem sabe se a gente ajuda os devotos do Carmo a retomarem uma devoção que vê Maria como profetiza na mesma linha do profeta Elias, o primeiro que viveu no Monte Carmelo.

Jesus pensou que era coisa demais para dizer, para corrigir e para pedir de mudanças. Dificilmente, mesmo o Espírito Santo iria conseguir. Mesmo assim, reiterou:

- Se puder, encontre um jeito de revelar para os padres e religiosos/as que esses cultos de massa e esses cânticos barrocos acabam celebrando mais a glória dos eclesiásticos do que a mim e à minha mãe. Recorde a eles a minha palavra: "O Pai é espírito e verdade e seus adoradores devem adorá-los em espírito e verdade".

O Espírito Santo voou para Recife e o Pai sorriu para Jesus:

- Mesmo assim, nós os amamos e neles e nelas fazemos nossa morada. 

Marcelo Barros

Camaragibe, Pernambuco, Brazil

Sou monge beneditino, chamado a trabalhar pela unidade das Igrejas e das tradições religiosas. Adoro os movimentos populares e especialmente o MST. Gosto de escrever e de me comunicar.

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