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Conversa, sábado, 12 de setembro 2015

Hoje, depois de quase uma semana que estou passando no mosteiro de Tournay (no sul da França, a poucos quilômetros de Lourdes), houve a missa na qual fui chamado a renovar minhas promessas de monge, votos que fiz há 50 anos (1965) no mosteiro de Olinda. (Fiz isso aqui hoje porque desde 1989, estou ligado juridicamente a essa comunidade que fundou o mosteiro de Goiás do qual fui o coordenador).

Agradeço a Deus a graça de ter sido bem acolhido pelos monges daqui que vivem uma vida muito diferente do meu estilo de vida e para os quais meu jeito de ser monge (peregrino, independente e da caminhada da Igreja da libertação) certamente é muito estranho e diferente de tudo o que eles compreendem. Mas, nos encontramos na confiança que Deus deposita no coração da gente e eu vim, aberto a escutar deles uma palavra de Deus, lhes dar um sinal de comunhão e eles me acolheram como irmão e confirmaram que aceitam ser minha comunidade monástica (de monges) de referência.

O abade Joel coordenou a missa - uma missa simples de dia de semana com a comunidade dos monges, alguns hóspedes anglicanos que estão fazendo retiro aqui e duas amigas minhas que moram na França e vieram de cidades vizinhas para participar comigo desse rito - Monique e Iara.

Depois do evangelho e da homilia do abade, eu fiz a renovação dos meus votos de monge. Depois de dizer que renovava as promessas feitas há 50 anos de viver o mais possível uma estabilidade interior (em Deus), uma permanente conversão de minha vida e uma escuta da Palavra de Deus através dos outros irmãos (obediência), eu citei essas palavras de uma carta do papa Francisco, aplicando-as ao que eu vivo: "na ação de graças e no reconhecimento de tudo o que vivi no passado e com um desejo renovado de viver de forma apaixonada o presente, abraço o que há de vir no futuro com esperança".

E concluí dizendo:

"com confiança humilde, sustentado pela misericórdia de Deus e pela oração de meus irmãos e pela amizade de tanta gente que faz parte do meu caminho, eu me ofereço de novo a Deus e ao serviço dos irmãos e peço a Deus que complete em mim o que Ele mesmo começou". 

Proclamei isso em voz alta, coloquei a carta da renovação dos votos no altar, voltei para o meio da Igreja onde, voltado para a estante da Palavra de Deus, abri os braços e cantei em latim, (aqui para nós, com minha desentoação costumeira) as palavras do salmo 119 que todos os monges cantam no momento de emitir seus votos e que eu cantei em Olinda há 50 anos:

"Suscipe me, Domine, secundum eloquium tuum et vivam. .

Et non confundas me ad expectationem meam"

"Recebe-me, Senhor, conforme a tua palavra e viverei.

E e não me decepciones em minha esperança".

A comunidade, cantou, então, um salmo de ação de graças que dizia: "Deus é fiel, porque o seu amor é para sempre".

Abracei o abade com gratidão e me prostrei diante dos irmãos da comunidade, como reconhecendo que adoro Deus, presente neles e quero encontrar Deus nas pessoas deles.

Vivo isso aqui, hoje, absolutamente ligado a tudo o que vivo no Brasil, quando acompanho a luta do MST, os esforços pelo diálogo entre as religiões e a defesa das comunidades de tradição afro-brasileira. Para ser eu mesmo e me doar melhor nessas lutas, preciso garantir a saúde dessa raiz do meu ser que é essa consagração. Eu a recebi de Deus no batismo.

Para mim, o mais importante de tudo não é ser monge ou ser padre. É ser cristão, ou seja, discípulo de Jesus e viver o batismo como sinal e instrumento dessa alegria de ter sido chamado por ele para isso e de que ele nos consagrou a todos para viver essa missão. Eu a vivo como monge. Foi o modo como isso se concretizou em minha vida. Não da maneira tradicional que esses irmãos daqui ou de os de outros mosteiros a vivem. Eu vivo esse caminho do modo como Deus me chamou a viver: no mundo, tendo os pobres da caminhada como as pessoas concretas às quais desejo servir. Renovo, então, as opções às quais Deus me chama: o trabalho pela libertação do povo, especificamente no campo da ajuda a formação das bases, no esforço pela renovação de nossa Igreja Católica e no caminho do diálogo entre Igrejas e entre religiões.

Que o Espírito Divino me ilumine e me guie nesse caminho e a cada dia me dê a graça da conversão permanente até poder ir me tornando mais e mais semelhante (parecido) com Jesus, nosso mestre e Senhor. 

Marcelo Barros

Camaragibe, Pernambuco, Brazil

Sou monge beneditino, chamado a trabalhar pela unidade das Igrejas e das tradições religiosas. Adoro os movimentos populares e especialmente o MST. Gosto de escrever e de me comunicar.

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