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Conversa, segunda feira, 30 de novembro 2015

Muitas religiões sob um só teto

Em um bairro moderno, na periferia de Berna, se desce do bonde urbano (VLT) e se está imediatamente diante de um edifício que, no primeiro momento, pensei que fosse um Shopping Center. Depois percebi os símbolos religiosos nas diversas portas de entrada, uma para a mesquita, outra para um templo hindu e outra a da entrada principal dando para um átrio de recepção, sala de acolhida, refeitório comum e sala de conferências.

A visita guiada da qual participei foi com um grupo de teólogos/as jovens de várias Igrejas e nacionalidades que fazem o curso de Teologia Ecumênica no Instituto Ecumênico de Bossuey. A língua comum era inglês e fomos recebidos por um senhor jovem que se apresentou como diretor da instituição. Deu-nos boas vindas e nos contou brevemente a história da Casa das Religiões em Berna.

A região da periferia oeste da cidade é o local de forte migração. Em 1999, a prefeitura procurou saber quais eram as principais necessidades das pessoas que moravam ali. Na pesquisa, muitas disseram que lhes faltava um lugar de culto. Havia muitos hinduístas vindos do Sri Lanka, muitos muçulmanos de vários países da Ásia e da África. Algumas pequenas Igrejas que não tinham templo e assim por diante. Algumas pessoas começaram a propor organizar um lugar comum.

O projeto nasceu a partir do esforço de conviver e colaborar uns com os outros no dia a dia da vida. A maioria rejeitou a ideia de uma espécie de Museu ou Memorial das Religiões. Muitos queriam uma coisa viva e dinâmica. Também rejeitaram organizar unidades temáticas. Avaliaram que, de certa forma, isso favoreceria um dogmatismo e perceberam que mesmo em cada religião tem certa diversidade. Não é possível sempre dizer: O Hinduísmo pensa assim, o Islã pensa assim e daí por diante... Preferiram salientar que o espaço físico deveria ser, em primeiro lugar, espaço de convivência e de amizade e só a partir disso poderiam organizar um espaço comum.

Os dois diretores que encontrei lá se gloriam de ter levado doze anos para concretizar o projeto. Desde 2002 quando começaram a se encontrar e a colocar os diversos grupos em diálogo, só conseguiram inaugurar a Casa em 2014.

É claro que houve vários desafios:

Talvez muita gente pensa que o maior entre eles foi o econômico. De fato, como conseguir dez milhões de francos suíços? Mais de dez milhões de euros. Eles juntaram das Igrejas que podiam colaborar, da sociedade civil e do governo da cidade. Lentamente, em parte e como um processo...

Mas, o desafio maior foi colocar as religiões em um diálogo que tinha em vista não só se entenderem, como conviverem no mesmo espaço e como espaço necessário e não apenas como vitrine para os outros. Conseguiram juntar oito religiões e entre essas várias que elas mesmas têm segmentos diferentes e têm elas mesmas de dialogar. Assim o templo hindu reúne seis diferentes tradições do Hinduísmo, sendo que a que mais tem adeptos lá e mais se comprometeu com o projeto foi a religião de Vishna e é o espaço maior no templo. Mas todos os outros segmentos podem usar o espaço e o usam para seus cultos.

Para se entrar no templo hindu, se tiram os sapatos. Durante todo o tempo em que estávamos lá, se escutavam mantras cantados e havia fumaça e um forte cheiro de incenso. O sacerdote do templo (um migrante do Sri Lanka) nos recebeu e explicou um pouco o simbolismo dos muitos altares e da diversidade de imagens. São mais de 300 divindades ali representadas. 

Ele explicou que representa um Hinduísmo reformado que não aceita a divisão de castas que continua ainda valendo no Sri Lanka e em certos lugares da Índia e que também integra no culto homens e mulheres. Eles têm mulheres como sacerdotisas, o que não é permitido no Hinduísmo tradicional.

A mesquita é sunita. (Os Xiitas não quiseram e têm pouca representatividade na cidade). É muito bonita e grande. O Imã que nos recebeu afirmou que é a mais bela do país. Quando chegamos, alguns fiéis (homens) oravam a prece do meio do dia, prostrados na direção de Meca que é a direção do que seria em uma Igreja nossa o presbitério ou o altar. Lá é o púlpito do Imã. Um tapete imenso cobre todo o templo e as pessoas assistem ao culto sentados ou ajoelhados sobre o tapete.

O nosso grupo de teólogos era de homens e mulheres. Normalmente os homens ficam em baixo e as mulheres participam do culto em cima, em uma espécie de coro superior do templo. Como não estávamos em um horário oficial de culto e era mais uma visita, podemos ficar todos juntos.  

Os judeus já têm sinagogas tradicionais na cidade e por isso não têm um espaço próprio no local da Maison des Religions. Mas, fazem parte do projeto, colaboram no conselho, ajudam economicamente a manter e têm sim na sala de diálogo uma espécie de prateleira com seus símbolos e objetos de culto.

A Igreja cristã é majoritariamente da Igreja Ortodoxa Etíope que não tinha lugar para celebrar em Berna e tem uma comunidade relativamente grande. Só se pode entrar no templo descalço. Há um pequeno altar redondo com a Bíblia aberta. E em torno alguns pequenos banquinhos para sentar que podem ser colocados ou tirados. Na parede principal, vários ícones etíopes, um da Trindade e outros do Cristo. Quando outras Igrejas que não gostam de ícones usam a Igreja podem usar uma cortina que os tampa ou podem usar a parede oposta por onde se entra que assim se torna o presbitério. E é nua. Não tem nenhum ícone. Só o símbolo dos morávios: uma estrela amarela grande e com muitas faces.

Outras Igrejas pequenas se juntam e celebram no local: a Igreja Menonita que conta talvez com uns quinze membros, a Igreja Morávia que tem algumas famílias e  a Igreja dos Velhos Católicos (uma Igreja que saiu da Igreja Católica no século XIX por não aceitar o dogma da infalibilidade do papa). Além delas, a Igreja Católica e a Igreja Evangélica da Suíça quiseram participar do projeto e fazem parte do Conselho da Casa.

Ainda há também um espaço próprio para o culto dos que frequentam a comunidade Baha-i e ainda a comunidade Sikhs. Não tive tempo de ir até esses locais.

O espaço comum é um pequeno auditório onde acontecem palestras, debates e encontros de diálogo entre as religiões. E embaixo quase no átrio de entrada há um restaurante. Ele é cuidado pelos hindus que nos ofereceram um almoço hindu, bastante gostoso.

Ali ao lado, a sala de coordenação reúne mensalmente o conselho da casa e toma as deliberações necessárias para a continuidade do projeto. De vez em quando a opção é se encontrar exatamente em uma refeição. O restaurante ocupa um lugar central para ser um espaço de encontro e de convivência em torno da mesa. É como um ponto fundamental do projeto da casa: possibilitar a comunhão.

Marcelo Barros

Camaragibe, Pernambuco, Brazil

Sou monge beneditino, chamado a trabalhar pela unidade das Igrejas e das tradições religiosas. Adoro os movimentos populares e especialmente o MST. Gosto de escrever e de me comunicar.

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