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Meditação bíblica, domingo, 21 de fevereiro de 2016

Nessa Quaresma, vivemos hoje o 2° domingo desse grande retiro pascal. Desde a mais antiga tradição, as Igrejas cristãs de tradição latina leem nesse domingo o evangelho da transfiguração de Jesus. Nesse ano C, ouvimos a versão de Lucas (Lc 9, 28- 36) que fala mais claramente do que os outros do "êxodo" que ele iria viver em Jerusalém. Lucas diz que isso aconteceu oito dias depois daquele em que Jesus fez uma avaliação com os discípulos  e lhes anunciou a sua morte na cruz. Jesus sobe a montanha para orar. Para a Bíblia, a montanha é o lugar da aliança de intimidade com o Divino. Jesus gosta de orar na montanha. Eu tenho de aprender isso com ele. Embora as montanhas me encantam, ainda sou muito disperso e aproveito pouco esse apelo de Deus para um encontro mais profundo com ele e comigo mesmo. 

A cena na montanha lembra cenas de manifestação divina que aparecem no livro do Êxodo (Cf. Ex 13, 20- 22; 33, 9; 40, 34). Ali está presente a nuvem, a luz e o esplendor de Deus, dessa vez revelando a presença divina na pessoa de Jesus, quando este assume sua missão profética de cumprir o seu Êxodo, sua Páscoa, isto é, sua morte, em Jerusalém. Este aparece cercado por dois personagens da primeira aliança e conversando sobre o Êxodo que deveria realizar em Jerusalém. Os discípulos que estavam habituados a sempre ver Jesus em sua cotidianidade, o vêem agora sob um novo ângulo, de um modo novo. Podem contemplar a glória do Pai presente em Jesus. O centro da passagem é a voz que vem da nuvem, declarando Jesus como Filho amado do  Pai. Seria como se aquela pergunta que Jesus fez aos discípulos “Quem sou eu?”, o próprio Deus também tivesse querido responder: “Este é meu Filho bem-amado. Escutem o que ele diz”. É assim que Jesus é o Messias de Deus. Este é o segredo que só depois da Paixão, os discípulos poderão revelar. 

Em nenhum momento, Lucas fala de transfiguração, palavra que aparece em Mateus e Marcos. Talvez, ele evite este termo (em grego metamorphosis) porque pode criar confusão na cabeça das pessoas de cultura grega. De qualquer modo, dizem que ele orava e, ao orar, o seu rosto “mudou de aspecto”. Alguns autores antigos diziam que o sentido deste fato é o de prefigurar para os discípulos a glória que Jesus receberia do Pai pela ressurreição. Não parece ser o sentido que Lucas dá a essa cena. Tanto a relação com a cena anterior “oito dias depois”, como a insistência no assunto do Êxodo, revela que se trata não de antecipar o futuro glorioso e sim de confirmar o que Jesus tinha dito.

Na Bíblia, o termo glória significa um sinal visível da presença divina. Como, durante o Êxodo, a nuvem escura que descia sobre o acampamento de Israel, era sinal da presença divina na tenda. Agora a mesma nuvem indica essa presença divina na pessoa de Jesus caminhando para a cruz. É na pessoa pobre de Jesus que se revela a presença e a glória do Pai. Na montanha do Sinai (no Êxodo), essa presença veio diante do povo todo e com sinais de trovões, relâmpagos e terremotos. Agora, ela se dá na intimidade de Jesus e de três amigos, no alto da montanha.

O evangelho mostra Jesus caminhando para a cruz, cada vez mais sozinho e rejeitado pelas pessoas e pelas instituições. Ver Jesus naquela situação transfigurado e cheio da presença divina exige mudar a visão de Deus (Deus deixa de ser o Deus que protege e que garante sorte para um Deus que se manifesta nos deserdados e empobrecidos do mundo). Exige mudar o nosso olhar. Ver Jesus transfigurado me parece como Dom Quixote de la Mancha capaz de ver em uma prostituta uma dama maravilhosa, capaz de ver em um dono de uma pousada de estrada o senhor de um castelo e assim por diante... É descobrir no outro pobre e maltratado a glória divina presente nele. Peço a Deus essa graça.  

Marcelo Barros

Camaragibe, Pernambuco, Brazil

Sou monge beneditino, chamado a trabalhar pela unidade das Igrejas e das tradições religiosas. Adoro os movimentos populares e especialmente o MST. Gosto de escrever e de me comunicar.

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