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Meditação bíblica, domingo, 24 de janeiro 2016

Antes de começar a narrar o ministério público de Jesus, Lucas quer deixar muito claro a seus leitores qual é a paixão que impulsiona o Profeta da Galiléia e qual é a meta de toda sua atuação. Os cristãos deverão saber em que direção o Espírito de Deus move a Jesus, pois segui-lo é precisamente caminhar com Ele  na mesma direção.

Em Lc 4,14 começa propriamente a vida pública de Jesus com este relato da pregação na sinagoga de seu povoado, depois de uma breve introdução geral na qual fala de seus ensinamentos nas sinagogas da Galiléia. Ao aplicar-se a si mesmo o texto de Isaías, Jesus está declarando sua condição de “Ungido”.

Ele voltou à Galiléia conduzido pelo Espírito.

Aqui está a chave. Só o Espírito pode nos capacitar para cumprir a missão que temos como seres humanos. Tanto no AT como no NT, ungir era capacitar alguém para uma missão. Paulo nos diz isso com uma claridade meridiana: se todos bebemos de um mesmo Espírito, seremos capazes de superar o individualismo, e entraremos na dinâmica de pertença a um mesmo corpo.

A primeira coisa que chama a atenção é a apresentação que Lucas faz de Jesus como alguém que é movido “pela força do Espírito”. Nem sempre somos conscientes das “forças” que nos movem em nosso viver cotidiano, tampouco das motivações reais que nos impulsionam a tomar certas decisões. Dois dinamismos atuam em nosso interior: um, de impulso para algo maior, para o serviço, para ser presença inspiradora; outro, de atrofia, de acomodação e medo. Qual das duas “forças” alimentamos em nosso interior?

Jesus chamava a atenção pela claridade de suas motivações e a coerência com as mesmas: é o homem íntegro e fiel, lúcido e transparente. Deixa-se conduzir pelo Espírito no mais profundo de si mesmo; deixa que Deus viva nele; deixa Deus ser Deus nele.

Nesse domingo, em uma Verona dominada pelo frio (perto de zero grau) e diante de uma comunidade de intelectuais e artistas, devo pregar sobre o texto do evangelho que, durante todas essas últimas décadas, na América Latina, mais nos moveu na direção da Teologia da Libertação e da radicalidade de nossa opção pelos empobrecidos e excluídos do mundo. Não quero idealizar o passado, nem negar muitos elementos bons e positivos da pastoral atual que encontro em várias dioceses do Brasil e de outros países em nosso continente, mas não posso deixar de reconhecer que, nos tempos "da caminhada", como chamávamos a época em que nossa Igreja vivia mais de cheio e sem hesitações a profecia do evangelho, parece que escutávamos as palavras de Jesus na sinagoga de Nazaré dando para nós mesmos as credenciais de nossa missão. Aquela mensagem de Jesus era nova e diferente, surpreendente e provocativa para seus ouvintes. Tanto foi assim que a reação deles foi de hostilidade e até de querer matá-lo. Jesus teve coragem de ler o texto bíblico mudando o texto de Isaías, tirando dele um versículo de ameaças e deixando só as palavras boas de graça e as profecias de libertação. Do outro lado, disse: Hoje isso se cumpre...

É a missão dele. É a nossa missão. Penso que mais difícil para as Igrejas cristãs sempre foi ligar essas duas dimensões que Jesus viveu e mostrou bem unidas: a opção revolucionária, (mudar esse mundo social e estruturalmente) e, ao mesmo tempo, testemunhar que queremos viver isso, como Jesus, "movidos pelo Espírito". Até hoje, muitos cristãos se crêem "movidos pelo Espírito" quando se alienam do mundo, se refugiam em orações sentimentais e em celebrações narcisistas e fora da vida. Não tenho receitas, não sei como fazer, mas percebo que Deus me pede (e pede a nós todos) de juntar essas duas dimensões da fé: a carismática (pentecostal, deixar-se mergulhar no Espírito Santo) e ao mesmo tempo a preocupação revolucionária de mudar o mundo... E isso é cada vez mais urgente. 

Marcelo Barros

Camaragibe, Pernambuco, Brazil

Sou monge beneditino, chamado a trabalhar pela unidade das Igrejas e das tradições religiosas. Adoro os movimentos populares e especialmente o MST. Gosto de escrever e de me comunicar.

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