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Meditação bíblica para o domingo, 16 de novembro 2014

O evangelho lido nas Igrejas (católicas e anglicanas) nesse domingo é a chamada parábola dos talentos (Mt 25, 14- 30). 

Essa é uma das parábolas contadas no evangelho que, apesar de virem de Jesus, não me inspiram simpatia. Um dos motivos é que sobre esse tipo de parábola se dão muitas explicações que legitimam a sociedade baseada na desigualdade social. Os talentos seriam os dons (intelectuais, ou naturais) que Deus dá a cada pessoa. E como os dons ou talentos são diferentes de pessoa a pessoa, é normal que haja diferenças entre as pessoas, diferenças de classe, diferenças de situação de vida. Essa interpretação para justificar a ética da burguesia é tão clássica que a própria palavra “talento” (nome de uma moeda do tempo antigo) tornou-se em nossas línguas sinônimo de “dom natural” . Uma pessoa tem ou não tem talento para tal coisa. Existe até o adjetivo “talentoso”. Alguém é talentoso ou não o é. 

Ninguém diz exatamente isso, mas deixa entender que o rico é o servo que ganhou cinco talentos e foi capaz de fazê-lo render outros cinco. O pobre é o que ganhou menos e acabou enterrando mesmo esse pouco que recebeu. Se fosse assim, essa seria a parábola da sacralização do capitalismo.

Historicamente não sabemos se Jesus contou mesmo essa história tal qual está no evangelho. De todo modo, penso que se a comunidade de Mateus soubesse que a parábola que eles transcreveram, no decorrer da história, seria tão mal interpretada e usada de forma tão errada, certamente teriam preferido não escrevê-la. Sem dúvida, Mateus a recebeu da tradição mais antiga. Talvez adaptou para a realidade da época e da comunidade cristã no norte da Síria, onde parece que esse evangelho foi escrito, uma parábola que Lucas também guardou (Lc 19, 11- 27). Já salientamos que muitas das histórias que Jesus contou, foram acontecimentos reais que ele ficou sabendo. Talvez, muitos dos seus ouvintes sabiam a que caso concreto ele se referia. Podem até ter conhecido esse patrão que tinha oito talentos de prata ou de ouro (era uma riqueza) e devendo viajar, confiou-os a seus empregados.

Recontando a história, Jesus a interpreta. Conforme a parábola, o próprio patrão reconhece que poderia ter deixado esses talentos num banco para fazê-los render e preferiu confiá-los aos empregados (v 27). Então, o seu interesse maior não era o simples lucro capitalista. Era para testar a capacidade dos servos em fazer os talentos renderem. Nas comunidades antigas falar de “servos” era referir-se aos ministros cristãos. Ou será que Mateus ainda continuava querendo aludir que os rabinos e escribas são esses servos que não souberam zelar pelos talentos recebidos? Provavelmente, numa primeira redação, o evangelho alegorizou a parábola de Jesus pensando que o talento signifcava a lei e a aliança de Deus. Nessa interpretação, o que a parábola deixa claro é que os rabinos do Judaísmo da época do evangelho guardavam ciumentamente ou enterravam o que o talento que Senhor lhes confiou para que eles o fizessem prosperar, crescer ou render (a aliança de Deus, aliança que Deus fez com Israel para ser luz e abrir-se a toda humanidade).

Na redação atual, a parábola parece visar mais os ministros cristãos e a responsabilidade deles. 

Na história das virgens que o evangelho conta antes dessa parábola, Mateus insiste no dever de esperar vigilantes. Nessa parábola dos talentos, há um passo a mais: os cristãos precisam trabalhar para fazer os talentos renderem. Assim, vocês ajudam a comunidade a descobrir porque a vinda do Senhor (a parusia) tarda tanto. É para dar tempo a que trabalhemos e façamos os talentos se multiplicarem.  O contexto histórico é esse: “Após um longo tempo…”  Repito que esses talentos do qual o evangelho fala nada têm a ver com nossos dons naturais. É o dom divino que nos foi entregue para sermos testemunhas dele no mundo. Se não, caímos na interpretação capitalista do evangelho, que é uma aberração.  

Vocês que relêem essa parábola hoje ou devem pregar sobre ela, por favor, tomem cuidado para não interpretarem a parábola no sentido contrário ao que Jesus contou ou ao que Mateus escreveu. Leiam novamente. Verão que essa história de talentos é secundária. É claro que Jesus não contou uma alegoria e sim uma parábola. Ele não deu nenhum significado próprio aos talentos. A parábola podia ser assim: O patrão ia viajar e encarregou os servos de arrumarem a casa, ou lavrarem o campo. Quando voltou percebeu que um fez cem por cento, outro trabalhou apenas a metade do que devia e outro não fez nada. A parábola é sobre o rendimento do empenho dos servos e não sobre o valor ou significado dos talentos. O talento que Deus nos confiou foi o seu Evangelho, a fé e o testemunho do seu amor que devemos comunicar a toda humanidade. 

Marcelo Barros

Camaragibe, Pernambuco, Brazil

Sou monge beneditino, chamado a trabalhar pela unidade das Igrejas e das tradições religiosas. Adoro os movimentos populares e especialmente o MST. Gosto de escrever e de me comunicar.

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