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​Meditação bíblica para o domingo, 21 de julho 2-13

Ontem foi o aniversário da vitória da revolução sandinista na Nicarágua, 19 de julho de 1979. Como aquilo fez bem para todos nós que seguimos esperando um mundo novo possível. Tantos anos depois, embora tenhamos sofrido decepções com a própria esquerda, continuamos acreditando na mesma utopia e dando nossa vida pela mesma causa. Agora, aquilo que para nós era a bandeira do sandinismo está incorporada a um projeto maior de integração continental e de libertação revolucionária de todos os nossos povos. A melhor palavra para isso é o bolivarianismo que faz muito medo a tantos dos nossos políticos. Cremos, apesar de tudo e lutamos por isso, sim. 

Neste domingo, o evangelho conta a cena na qual Jesus e seus discípulos são recebidos em Betânia pelas duas irmãs Maria e Marta (Lc 10, 28- 32). Sobre esse evangelho escrevi o seguinte: 

Jesus está em sua grande viagem a Jerusalém. O capítulo 10 é dedicado a formar os discípulos em missão e a história de Marta e Maria vem logo depois da parábola do samaritano sobre o amor ao próximo. 

No capítulo 10 do seu evangelho, Lucas, mostra um depois do outro, elementos fundamentais da missão dos discípulos e discípulas de Jesus: 1- a itinerância (Lc 10, 1 ss), 2 - a solidariedade (Lc 10, 17 ss) e agora a hospitalidade. Este pequeno episódio lembra a espiritualidade do acolhimento tão presente em toda a Bíblia, desde Abraão e tão viva no meio do povo brasileiro, como de outros povos tradicionais. Quando a gente acolhe alguém em casa, está sempre acolhendo a Deus em sua vida.

Não vale a pena tratar esse episódio como um fato histórico, contado ao pé da letra. Parece mais uma lição de vida contada do modo como os rabinos costumavam fazer. Depois de contar a história do samaritano que serve ao homem ferido, logo se conta a história de Marta que também serve, dessa vez, ao próprio Senhor. Toda a insistência é sobre a atitude de quem acolhe o Senhor e se coloca a seus pés na escuta da Palavra. É possível que Marta e Maria, embora tenham sido pessoas históricas, sejam retratadas no evangelho como símbolos ou figuras de grupos cristãos na comunidade do tempo dos evangelhos. Antes de tudo, tanto Marta como Maria são vistas na tarefa de acolher e de abrir sua casa a Jesus e a seus companheiros e companheiras. O conflito entre as duas pode representar um conflito real do tempo da comunidade de Lucas entre tendências e grupos dentro da comunidade. Lucas, discípulo de Paulo, é ecumênico com a cultura grega[1]. O evangelho pede uma unidade interior nas pessoas.

 Para certa parte da tradição rabínica o fato de Jesus ser um rabino que aceita mulheres como discípulas é uma subversão. Ele não concorda com certas interpretações da lei que excluem a mulher. Hoje ainda, em tantos lugares, a mulher não se senta à mesa com o marido e os hóspedes. Fica servindo a todos e come depois. Jesus defende a liberdade e igualdade feminina. Maria estava na mesma atitude que Paulo aos pés do grande rabino Gamaliel (Cf. At 22, 3). A tradicional função de dona de casa não é a única função possível para uma mulher. Jesus declara mesmo que é uma função secundária. “Maria escolheu a melhor parte”. Há tradutores que dizem: “poucas coisas são necessárias”, como se na cena original, Jesus tivesse se referindo à comida: bastam poucas coisas. Para que tanto trabalho? Mas, a tradução correta do grego diz: “uma só coisa é necessária”.

Lucas coloca Marta como diaconisa, já que está servindo à mesa. Em um livro chamado “O caminho que nos transforma”, Georges Wierush Kowalski mostrou que essas duas irmãs e mulheres simbolizam em realidade às Igrejas. Assim, Marta representaria as Igrejas domésticas, cuja maior tarefa era acolher, resolver os problemas e conflitos internos, garantir a unidade entre as diversas comunidades e, sem dúvida, presidir as reuniões de oração. Maria seria o símbolo das Igrejas missionárias, nas quais os profetas são portadores da palavra de Deus, depois de havê-la escutado e meditado[3].

Essa interpretação significaria que, nas origens do cristianismo, as mulheres permaneciam seguindo Jesus em funções de primeira importância[4]. Esse episódio não pode ser interpretado como tradicionalmente ocorreu nas Igrejas como oposição entre dois modelos de vida: ação e contemplação.

Na década de 80, o nosso saudoso irmão Eliseu Lopes, que, durante anos, foi secretário nacional do Centro de Estudos Bíblicos (CEBI),  comentou com o povo este Evangelho e repartiu comigo sua reflexão. Partilho com vocês uma parte da homilia deste irmão: “Jesus visita Marta e Maria, suas amigas de Betânia. O motivo maior da visita é a Amizade. O clima é de intimidade, como na poesia de Manuel Bandeira, musicada por Vila Lobos:

‘Amigo, seja benvindo! A casa é sua. Não faça cerimônia.

Vá pedindo. Vá mandando. Seja seu tudo o que tenho de meu. E mais a divina graça. Amigo, seja benvindo!’

Jesus se sente tão à vontade que refreia o ímpeto da atarefada Marta e aponta o exemplo da folgada Maria que se compraz em escutá-lo. Para quem escuta a Palavra e se alimenta espiritualmente não faltará o alimento necessário e sem excesso: ‘pouca coisa é necessária, até uma só!’.

[1] - ISIDORO MAZZAROLO, Marta e Maria, diferentes níveis do conflito, in Estudos Bíblicos, jan/mar 2011, p. 61.

[2] - citados por HUGUES COUSIN, L’Évangile de Luc, Paris, Ed. du Centurion, 1993, p. 159. 

[3] - GEORGES W. KOWALSKI, La route qui nous change, Cana, 1982, pp 190.

[4] - SUZANNE TUNC, También  las mujeres seguían a Jesus,  Sal Terrae,  Cantabría, 1999, p. 43- 44.

 [5] - Cf LUISE SCHOTTROFF, Mulheres no Novo Testamento, São Paulo, Paulinas, 1995, pp. 145- 146.  

Marcelo Barros

Camaragibe, Pernambuco, Brazil

Sou monge beneditino, chamado a trabalhar pela unidade das Igrejas e das tradições religiosas. Adoro os movimentos populares e especialmente o MST. Gosto de escrever e de me comunicar.

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