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Meditação bíblica para o domingo 29 de junho 2014

Neste domingo, como é 29 de junho, é a festa de São Pedro e São Paulo. Retomo aqui de forma adaptada uma página do meu livro "Conversa com Mateus" (Comentário ecumênico ao evangelho de Mateus). É a reflexão sobre o trecho do evangelho escolhido pela Igreja para essa festa (Mt 16, 16- 23): 

É no território estrangeiro (do outro lado do Mar da Galileia) que Jesus em uma situação de clandestino e parece que, em um momento de crise pessoal (poderíamos quase dizer: crise de vocação) põe em avaliação a sua missão.   Faz com os discípulos uma espécie de revisão a respeito do que o povo pensa da sua pessoa e da sua missão. A resposta dos discípulos mostra que o povo não compreende a sua proposta. Ele pergunta: “E vocês mesmos o que dizem a respeito do Filho do Homem? Esta expressão "O Filho do Homem" que Jesus usa para falar de si mesmo é misteriosa e nem se tem certeza de que ele tenha mesmo utilizado esse título[1]. 

Pedro responde em nome de todos: “Tu és o Messias, o Filho do Deus vivo”(v. 16). Contando o mesmo fato, os outros evangelistas dizem que a resposta de Pedro foi o reconhecimento de que Jesus é o Messias, o consagrado de Deus (Mc 8, 30 e Lc 9, 21), o “Santo de Deus” (Jo 6, 69). Conforme Mateus, Pedro chama Jesus de “O Filho do Deus Vivo”. Isso significa que Jesus é alguém que vive a sua vocação de consagrado a tal ponto que só pode ser “filho de Deus”.

Na cultura de vocês, quando Jesus disse: “Felizes, ou “Para frente” as pessoas que promovem a paz porque serão chamadas “filhas de Deus” significa: “estão fazendo o que é divino”, “agindo como Deus age”. Hoje, a gente diria: “são parecidas com Deus”. Dizer que Messias é filho de Deus mostra a relação singular que o Messias tem com a divindade”[3]. 

Pessoalmente, não tenho dificuldade de viver e expressar a fé cristã tradicional. Sou do tipo de invocar a Jesus como “meu mestre”. Mas, procuro viver a fé em Jesus, incorporando-me à fé de Jesus, isto é, ao modo de Jesus viver a fé no Pai, no reino e na comunhão dos irmãos e irmãs. Percebo que, quanto mais aprendo isso, mais descubro que a fé em Jesus vivida desse modo não me separa de ninguém. Não provoca dificuldades com outras religiões e especificamente com o judaísmo.

Nesse sentido, é bom ver que Jesus aceita o título que Pedro lhe dá. Só o evangelho de Mateus traz a palavra de Jesus a Pedro: “Tu és Pedro”. Jesus responde à profissão de fé de Pedro, lhe fazendo uma espécie de promessa: “Tu és Simão (em hebraico: “Aquele que escuta” ou que obedece), filho de Jonas (da pomba Israel?). De agora em diante, te chamarás Cefas que quer dizer pedra.

Conforme alguns exegetas, na época de Jesus, o povo tinha o costume de escavar as rochas para daí tirar pedras para construir casas. Era um tipo de pedra mais mole que, quem sabe, poderia nos recordar nossa pedra-sabão, usada por vários artistas para esculturas em pedra. Era um tipo especial de pedra, mas possível de ser quebrada e partida para dar lugar a abrigos. Os buracos formados nas rochas recebiam na língua aramaica o nome de kepha.As pessoas pobres e sem casa se abrigavam nestas cavernas e as usavam como sendo suas casas. Assim sendo, o nome Kepha pode ser traduzido por pedra ou por gruta escavada na rocha, isto é, gruta que servia de abrigo para os pobres sem-teto. Se fosse no segundo sentido a palavra atribuída a Jesus, a tradução mais literal seria: “Tu és Pedro e sobre ti como gruta que serve de abrigo aos mais empobrecidos quero construir a minha comunidade (Igreja)”[5].  

As comunidades cristãs primitivas acentuavam que a pedra da Igreja é o Cristo (Cf. 1 Cor 10, 11 e 1 Pd 2, 6). Vários salmos e orações da Bíblia dizem que o Senhor é o rochedo da nossa salvação (Cf. Sl 18, 3 e 32; 31, 4; 61, 4; 95, 3; 144, 1).      

Jesus tinha dito que toda pessoa que escuta e pratica a Palavra (Simão quer dizer o ouvinte e obediente) é como quem constrói a sua casa sobre a rocha (Mt 7, 24). “No edifício da igreja, ninguém pode colocar outro fundamento que o Cristo Jesus, pedra angular” (1 Cor 3, 11).

“Mateus é o único evangelista que usa a palavra ‘Igreja’ e no seu contexto significa a comunidade local.  Pedro é o apoio, a pedra que deve dar segurança ao edifício no sentido da fé. 

Mateus descreve Pedro como figura-símbolo do discípulo a quem o Senhor confia o encargo de “confirmar na fé aos seus irmãos”. Em outra tradição, Jesus lhe diz: “Simão, eu orei por ti para que, sendo tu confirmado, confirmes a teus irmãos”(Lc 22, 31- 32). Embora Jesus entrega a todos a missão de testemunhar o Reino, conforme esse texto, Jesus entrega a Pedro as chaves do Reino. É um modo de falar próprio da linguagem apocalíptica e se baseia em Isaías 22.

Na concepção atual dar a chave seria dar o poder. No Brasil, é até usual que o prefeito de um município entregue uma autoridade que o visita, a “chave” da cidade. Na cultura rabínica, a chave significava o poder de interpretar a Torá. O que significa, então, Jesus entregar a Pedro as chaves do Reino dos céus? É o modo dele dizer que Pedro é o verdadeiro escriba que tem o direito e o discernimento de interpretar tudo o que nas Escrituras diz respeito ao Reino dos céus. 

Sem dúvida, é direito de uma Igreja apoiar-se em uma tradição. Mas, com os estudos exegéticos avançados que existem, é difícil sustentar como histórico que Jesus tivesse querido fazer de Pedro o chefe da Igreja Universal. Esta nem existia como conjunto de comunidades nem na época de Jesus nem ainda no tempo em que os Evangelhos foram redigidos. Menos ainda que Jesus tivesse imaginado um sucessor de Pedro com esse “poder”.  

“Do texto de Mateus não se pode concluir que Pedro teria um sucessor. (…) Quando o Evangelho foi escrito, Pedro tinha morrido provavelmente um quarto de século antes e o Evangelho não fala ainda em qualquer sucessão” (J. Comblin [6])

Isso não quer dizer que não devamos aceitar a missão do papa como um pastor da unidade entre as Igrejas ou que a tradição o liga com Pedro. Só não podemos interpretar o evangelho a partir de questões que na época do evangelho não existiam.

 Esse diálogo de Jesus com os discípulos pode ser atualizado por nós. Cada um de nós é chamado a responder a essa mesma pergunta que Jesus fez aos discípulos: E você, para você, pessoalmente, quem é Jesus Cristo? O que ele representa na sua vida? 


[1] - Ver sobre essa questão do título “Filho do Homem”: ALBERT NOLAN, “Quién es este hombre?”, Jesus antes del cristianismo, Santander, Ed. Sal Terrae., 1984, p. 194- 196.

            Também é importante ver a tese de doutorado de XAVIER PIKAZA, Hermanos de Jesus y Servidores de los más pequeños, Salamanca, ed. Sigueme, 1984, principalmente da p 89 a 223. 

[2]  - Cf. LEONARD SWIDLER, Ieshua, Jesus histórico, Cristologia – Ecumenismo,  São Paulo, Ed. Paulinas, 1993, p. 30 em diante.

[3] - O. SPINETOLI, idem, p. 459.

[4]  - C. THOMA, Messia, in “Lessico dell’Incontro Cristiano- Ebraico, Brescia, Ed.Queriniana, 1992, p. 157- 158.

[5] ´FREI JACIR FREITAS FARIA, in Roteiros Homiléticos, in Vida Pastoral, julho-agosto 2011, p. 36.

[6] - JOSÉ COMBLIN, As linhas básicas do Evangelho segundo Mateus, in Estudos Bíblicos 26, p. 15.

Marcelo Barros

Camaragibe, Pernambuco, Brazil

Sou monge beneditino, chamado a trabalhar pela unidade das Igrejas e das tradições religiosas. Adoro os movimentos populares e especialmente o MST. Gosto de escrever e de me comunicar.

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