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O que Dom Helder Camara nos diria hoje

Leituras: Filipenses 2, 1- 5.

 Evangelho: Mateus 5, 20 e 43- 48.

 Meus queridos irmãos e irmãs,

 Nessa noite, escutamos a boa nova de Jesus  desse texto do sermão da montanha que acabamos de escutar, mas também a escutamos da vida e da herança que Dom Helder deixou para nós. A palavra de Jesus é clara: "Se a justiça de vocês não for maior, não for além da justiça dos escribas, dos juristas e dos fariseus, vocês não entram no reino dos céus, isso é, não estão na lógica de Deus, não estão vivendo o projeto divino para esse mundo".

Jesus reconhece que os escribas e fariseus têm uma justiça. Ele nem diz que aquilo que os seus adversários chamam de justiça no fundo é injustiça e ilegalidade. Não era o caso. Lá, apesar de serem dominados pelo império romano, os tribunais de justiça ainda não eram partidários e comprados como estão sendo no Brasil de hoje. De todo modo, Jesus diz que a justiça que ele propõe tem de ir além. Por que? Por que a justiça da lei judaica, como a justiça da maioria de nossas sociedades tem como finalidade manter a sociedade como ela é e não transformá-la e a justiça do evangelho é sempre revolucionária. Não fica apenas no legal. Quer transformar o mundo. Crê e aposta na transformação do mundo.

Jesus revela isso no sermão da montanha e aí nos dá seis exemplos do que isso significa. No evangelho que acabamos de ouvir, escutamos o sexto exemplo. É esse da lei do amor. Em cada um desses exemplos, ele diz: "Vocês ouviram o que foi dito aos antigos. Agora eu lhes peço mais. Radicalizo o mandamento e mostro como a justiça de vocês deve ir além da lei jurídica, religiosa e civil. E a sua recomendação é sobre o amor: o amor como base para se reconstruir a sociedade: o amor que vai até o ponto de amar aos inimigos. Primeiramente, Jesus cita a lei mosaica, mas de forma polêmica. Na Bíblia, a lei não diz: ame o próximo e odeie o inimigo. Mas a interpretação que os escribas e fariseus faziam da lei acabava compreendendo o próximo como a pessoa da mesma família, da mesma raça, do mesmo partido, da mesma religião. Então, à medida que essa interpretação religiosa da lei restringe o amor só a quem está dentro da minha cultura, de acordo com Jesus, a lei diz que se ama o amigo e se odeia o inimigo. Jesus exige que se vá além dessa estrutura da lei, mesmo religiosa. Ele alarga os horizontes. Na parábola do samaritano, ele diz: o problema não é quem é o meu próximo. O problema é de quem eu sou próximo. E responde: eu sou próximo de quem aparece no meu caminho ou das pessoas em cujo caminho eu me coloco. Eu devo ser próximo do samaritano que o israelita detestava por ser alienado políticamente, misturado com os romanos, sem educação e sem linha igual à nossa. Se é uma pessoa ferida na estrada, é meu próximo e eu sou responsável por ele.

Esse foi o testemunho de Dom Helder e essa é a herança que recebemos dele. Durante todo o tempo do seu ministério de bispo, Dom Helder lutou pelos direitos humanos. No entanto, ele sabia que a lei pode proibir de matar, pode proibir de discriminar, pode proibir de explorar, mas não pode obrigar ninguém a amar. A lei que diz "ame o próximo" não é uma lei jurídica. É uma orientação de pai, de mãe, de educador. É uma orientação de vida.

Se hoje, nesse momento do nosso país, Dom Helder chegasse aqui agora e pudesse falar, o que ele pediria a nós, o que ele nos proporia? Ele se somaria à voz de todos os movimentos sociais para denunciar a perda dos direitos dos trabalhadores. Ele se somaria à voz de todos os verdadeiros juristas do mundo inteiro para denunciar a iniquidade de tribunais que julgam por indícios e não por provas comprovadas. Ele se somaria à voz da CNBB que na Campanha da Fraternidade desse ano está retomando a proposta de Dom Helder para que haja no Brasil não somente Comissões de Justiça e Paz, mas também uma Ação coletiva e permanente de Justiça e Paz, um trabalho pela não violência ativa.

Certamente, se Dom Helder pudesse nos propor alguma coisa nesse momento, ele nos pediria o AMOR como resposta à crise. Quem vinha aqui no Recife logo nos primeiros anos em que Dom Helder deixou a sua função de arcebispo, via escrito pelos muros da cidade: Dom  Helder, o Dom do Amor. Hoje, Dom Helder nos diria que o amor não é uma coisa só romântica. Não é apenas expressão de bons sentimentos. O amor ou melhor a Amorosidade é algo que toca na estrutura do ser e da vida. Não podemos e não devemos restringir o amor à vida privada e às relações interpessoais. O Amor ou como o papa Francisco tem proposto em cada uma de suas falas, a Misericórdia pode ser resposta à estrutura da vida pública, pode ser resposta aos problemas da vida coletiva. O que temos atualmente é um país governado pelo desamor, pelo descuido com os mais pobres. O que domina no mundo é a política como ambição pessoal e competição. A proposta do evangelho é o Amor, mesmo o Amor aos inimigos. É claro que o Amor aos inimigos não se expressa do mesmo modo do amor aos amigos. Em primeiro lugar, parte do princípio que eles são inimigos e não se podem confundir inimigos com amigos. Em segundo lugar o melhor modo de exercer o amor aos inimigos é impedir que eles façam o mal, que eles explorem os outros, é combater de forma não violenta o mal que eles praticam ou querem praticar. O melhor modo de amar o inimigo é deixar bem claro qual é nossa linha, o que pensamos e o que queremos. É denunciar, é criticar e ser claro. Uma diocese, uma paróquia, grupo de Igreja, um de nós não tem linha ou posição definida com receio de ser partidário, no fundo, seria como alguém que pensa: para não cair no risco de me fechar ao exclusivismo, eu não vou amar ninguém. É o contrário: construir o mundo a partir de uma proposta de amorosidade é lutar para que a ONU aprove o direito da humanidade ter os seus bens comuns garantidos a todos: o papa tem repetido aos movimentos sociais: Nenhum lavrador sem terra, nenhum trabalhador sem trabalho, nenhum ser humano sem teto. É preciso lutar para que a ONU reconheça a água como bem comum da humanidade, que se protejam as sementes nativas e crioulas contra os transgênicos, que se recupere o direito à educação e à saúde para todas as pessoas humanas e assim por diante. Vocês podem achar isso tudo uma grande e distante utopia. Mas, Dom Helder nos diri o que ele escreveu na mensagem da pomba da paz: 

Preciso levar aos homens o ramo de oliveira que o Senhor Deus me confiou!

Por enquanto não há lugar nenhum onde pousar: as grandes águas se espalham a perder de vista...

Por enquanto serão trucidadas as mãos que tentarem segurar meu ramo...

Voarei a qualquer preço...Enquanto eu não cair de cansaço. Enquanto não for morta, voarei, voarei, voarei...

O Senhor-Deus que me confiou esta missão divina. Ele me protegerá!

Marcelo Barros

Camaragibe, Pernambuco, Brazil

Sou monge beneditino, chamado a trabalhar pela unidade das Igrejas e das tradições religiosas. Adoro os movimentos populares e especialmente o MST. Gosto de escrever e de me comunicar.

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