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Saborear agora a vitória que nos foi prometida

Saborear agora a vitória que nos é prometida

    Nesse domingo, em muitos países, várias Igrejas cristãs comemoram a festa da Ascensão de Jesus. O  trecho do evangelho que escutamos é o final do evangelho de Lucas (Lc 24, 46- 53). É o único evangelho que fala propriamente em Ascensão (ele foi elevado)e faz isso para sublinhar que Jesus foi como absorvido por Deus. Na pessoa de Jesus, Deus assumiu toda a humanidade. Tornou divino tudo o que é humano. O evangelho de Lucas finaliza dizendo que “os discípulos (e discípulas) voltaramaJerusalémcom grande alegriapermaneciam sempre no templo, bendizendoa Deus” (Lc 24, 53). 

Nesse versículo, Lucas retoma os grandes temas do evangelho. Na época, as comunidades cristãs ainda se sentiam ligadas ao Judaísmo. Não pensavam ser uma religião nova. O evangelho respeita essa inserção cultural e religiosa. Ao contrário, manda que “fiquem na cidade até serem revestidos com a força vinda do alto”. Então, eles e elas deviam permanecer em Jerusalém, isso é, inseridos na sua cultura e na sua história para receber o Espírito Santo e a missão de ser testemunhas da ressurreição e da reconciliação de Deus com toda a humanidade. Hoje, ainda há pessoas nas Igrejas (ministros) que reagem muito negativamente ao fato de que irmãos e irmãs de comunidades afrodescendentes ou indígenas se declarem cristãos, sem deixar sua pertença tradicional à tradição espiritual negra ou indígena. Como se a fé cristã fosse produto comercial e exigisse exclusividade. 

O evangelho sublinha que os discípulos e discípulas receberam de Deus o dom da alegria, uma alegria messiânica, imensa e profunda que só pode vir da fé. Mesmo em meio a sofrimentos e ao martírio, essa alegria, dom do Espírito, deve se constituir a característica de quem quer ser testemunha da ressurreição de Jesus.  

Lucas insiste que eles e elas permaneceram no templo diariamente bendizendo a Deus. Essa não era a função do templo. A função do templo era oferecer sacrifícios. A comunidade de Lucas muda a natureza do templo para uma função mais gratuita e amorosa: bendizer a Deus. Bendizer a Deus é dizer bem da vida, é festejá-la e referi-la ao Espírito. É proclamar que todas as criaturas testemunham sua presença e o seu amor fiel. Esse cristianismo que prega um Deus mesquinho, discriminador e amigo só dos seus amigos, fala mal do Deus de Jesus. 

Finalmente, Lucas insiste na inserção dos discípulos e discípulas na realidade social e política do mundo. O fato de Jesus ter ressuscitado e estar na glória do Pai não nos tira da História. No relato dos Atos dos Apóstolos que tomamos como primeira leitura, os anjos perguntam aos apóstolos: Por que vocês ficam olhando para o céu? Não adianta. Olhem para a terra e vão cumprir a missão de vocês sendo testemunhas disso no meio do mundo e na inserção concreta aqui e agora. 

Nossa função de cristãos/ãs é ser testemunhas do projeto divino acontecendo no mundo em meio aos fatos e situações da nossa história concreta. Para isso, contamos com a força do Espírito, Mãe de amor, sopro benfazejo da ternura divina em nós e conosco. Jesus não partiu. Deixou de ser visto para, através do seu Espírito (o Espírito Santo), estar dentro deles e delas. É importante observar que ele se torna invisível à medida que abençoa os discípulos. Para nós, hoje, nessa realidade brasileira, o que significa pensar que Deus assume e, assim,  torna divinas nossas lutas e nossas dores, nossa fragilidade e nossas esperanças? 

No plano pessoal, esse evangelho me confirma na opção de que, quanto mais humano eu for, mais manifestarei essa presença do Espírito de Deus Amor em mim, me levando à maturidade psicológica e social A carta aos efésios chama de “chegar ao estado de adulto, a estatura do Cristo, em sua plenitude”(Ef 4, 13). Parece incrível imaginar que esse objetivo seja o que nos é prometido e desejado por Deus e que esteja ao alcance de todos nós: a plena maturidade humana, a estatura do Cristo, em sua plenitude. É isso. E isso como pessoa, eu e vocês... Olhando para o meu jeito de ser e a minha vida, por favor, não me perguntem. Confesso logo: ainda falta muito, mas apesar de que me resta pouco tempo, continuo acreditando que o Deus que é capaz de fazer até das pedras filhos para Abraão (Mt 3), possa completar em mim (e em vocês todos/as) o que ele mesmo começou, apesar de todos os bloqueios e dificuldades que diariamente nós mesmos colocamos a esse trabalho. Mas, gostaria de dizer que quando Paulo e Lucas falam dessa maturidade à estatura do Cristo em sua plenitude, não se referem apenas ao aperfeiçoamento pessoal de cada um/uma. Esse objetivo indica uma vocação da humanidade – da sociedade (não como cristã) e sim como humanidade na qual o Espírito de Deus se insere e vai transformando.

Sei que no mundo atual, vendo o que vemos por aí, fica cada vez mais difícil acreditar em um mundo novo possível. Mas, é nossa vocação não abrir mão dessa fé. E sinais como ver a juventude indo às ruas para defender a educação, vendo os povos indígenas resistindo à barbárie, vendo as pastorais sociais na Amazônia tentando fazer com o que o Sínodo dos Bispos seja mais do que um sínodo de bispos e possa ser fórum que dê vez e voz aos povos da floresta e aos rios ameaçados pelas mineradoras. Isso tudo não deixa de ser sinal dessa ascensão do Cristo Cósmico que tem as dimensões da Amazônia. Tem as dimensões do Brasil que reage a todos os Bolsonaros nossos de cada dia e de cada esquina. 

Durante esses próximos dias, antes de Pentecostes, no lecionário litúrgico, a Igreja nos faz escutar a oração sacerdotal de Jesus. Nessa oração, o primeiro pedido que Jesus faz ao Pai é “glorifica o teu Filho para que o teu Filho te glorifique”.Isso significa “Manifesta a tua presença em teu filho, para que teu filho revele a tua presença no mundo”E no final dessa oração, ele dirá: “Pai, não te peço somente por eles (pelos discípulos que estão ali com ele na ceia), mas por todos aqueles que um dia vão crer em mim. Que eles sejam UM como eu e Tu somos Um, que eles sejam Um para que o mundo creia. Eu lhes dei a glória que tu me deste, para que eles sejam Um como nós somos UM” (Jo 17, 20- 22). 

Por isso, há mais de um século, a Igreja nos convida para, nessa semana entre a Ascensão e Pentecostes, orar pela Unidade dos Cristãos. É a Semana da Unidade. No Brasil, essa semana é promovida pela CNBB e pelo CONIC (Conselho Nacional de Igrejas Cristãs). Nesse ano, o CONIC propõe que se tenha especialmente presente nas orações as comunidades que em Minas Gerais e também na Amazônia estão ameaçadas pela lama tóxica de barragens que podem romper. E que a nossa comunhão leve em conta os rios contaminados pelas mineradoras, especialmente, o rio Doce, o Paraopeba e até mesmo o São Francisco. Em todas essas causas e questões, o Cristo Cósmico e Telúricotoma as dimensões que assumem o local e abrangem , ao mesmo tempo, todo  o Universo e se manifesta hoje e agora em mim e em você. 

 

Marcelo Barros

Camaragibe, Pernambuco, Brazil

Sou monge beneditino, chamado a trabalhar pela unidade das Igrejas e das tradições religiosas. Adoro os movimentos populares e especialmente o MST. Gosto de escrever e de me comunicar.

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