Blog Aqui vamos conversar, refletir e de certa forma conviver.

Texto, quarta feira, 21 de maio 2014

Hoje, me senti como que tomado pelo espírito do meu mestre Dom Helder e, de um só empurrão, escrevi uma carta aberta a Francisco, bispo de Roma e a Bartolomeu, patriarca de Constantinopla, que, nesse domingo, se encontrarão em Jerusalém.

Sei que, de todo o mundo, várias pessoas têm escrito ao papa sobre os mais diversos assuntos. Mas, pelo que sei, ninguém escreveu uma carta ao papa e ao patriarca do Oriente, juntos. Tomara que esse meu gesto ajude as pessoas a rever sua eclesiologia e a torná-la menos romanocêntrica.

Quem como eu, já apanhou tanto por ter ousado escrever uma carta ao papa (em 2004), talvez não devesse repetir esse gesto, embora, agora, o papa é outro e o espírito da carta também é diferente. De todo modo, obedecemos ao que Deus manda e assumimos as conseqüências. 

Aí vai o primeiro esboço da carta: (tradução do italiano que eu ousei escrever).

Camaragibe, 25 de maio 2014

Querido irmão Francisco,

bispo de Roma e primaz da unidade das Igrejas e

Bartolomeu, patriarca ecumênico de Constantinopla,

Sou um monge beneditino que procura viver a sua fé como peregrino junto aos empobrecidos da terra.  Dom Helder Camara, bispo que me ordenou padre e foi sempre para mim mestre de vida, me disse antes de morrer: “Não deixe cair a profecia!”. Nesse espírito, tomo a liberdade de lhes escrever essa carta aberta sobre a peregrinação que, nesses dias, vocês fazem à terra de Jesus.

Antes de tudo, lhes agradeço esse gesto profético. Ao retomar o encontro fraterno do papa Paulo VI com o patriarca Atenágoras em Jerusalém, dão um novo sinal de unidade entre as Igrejas do Oriente e a Igreja Latina. Esse novo encontro nos recorda aquela reunião que a tradição chamou de primeiro concilio dos apóstolos de Jesus. Ali, eles decidiram abrir a Igreja aos estrangeiros (At 15). A partir dessa recordação, penso representar grande parte dos cristãos ao lhes agradecer o diálogo simples, humano e amoroso que vocês fazem questão de aprofundar com toda humanidade. Em seu tempo, foi o que viveram, cada um à sua maneira, o papa João XXIII e o patriarca Atenágoras.  

Nesse mesmo espírito, há 50 anos, Paulo VI e Atenágoras fizeram o gesto de revogar as excomunhões recíprocas que ainda existiam entre as Igrejas do Oriente e a Igreja Latina. Desse modo, libertaram as Igrejas de um peso do passado que impedia os cristãos de reconhecer nos irmãos de outras Igrejas a presença do Ressuscitado. Agora, temos de ir além dessa libertação do passado. É preciso a coragem de libertar o futuro. Isso significa não só remover os obstáculos ao diálogo, mas fazer do diálogo a forma permanente do nosso modo de ser Igreja. Se, a partir dessa viagem, os senhores pensassem em escrever e assinar juntos uma mensagem ao mundo  e mesmo, quem sabe, uma encíclica sobre assuntos urgentes como a atual crise ecológica, dariam importante testemunho de unidade no serviço apostólico.

Certamente, vocês vão orar em Belém, junto ao lugar do nascimento de Jesus e em Jerusalém, no Cenáculo e no Santo Sepulcro. Se Belém nos recorda o nascimento, nos fala também da possibilidade de renascer. Esse gesto ecumênico da peregrinação realizada em comum tem o sabor de um renascimento. Retoma a proposta feita pelo papa João XXIII de voltar às fontes da nossa fé. Os cristãos e todas as pessoas de boa vontade esperam muito do Concílio Pan-ortodoxo que as Igrejas do Oriente estão preparando para 2016. Certamente a proposta do papa Francisco de restituir à Igreja Latina um caráter de maior sinodalidade pode colaborar para que esse Concílio seja uma bela e importante ocasião ecumênica e possa ajudar todas as Igrejas a retomar a práxis evangélica dos primeiros séculos do Cristianismo.

Em Jerusalém, o Cenáculo nos recorda a palavra do patriarca Atenágoras: “A única verdadeira teologia que pode guiar as Igrejas é a teologia eucarística”. (...) “O lugar onde não há separação, mas só um amor imenso, é o Cálice eucarístico, no coração de toda a Igreja”[1].  Seria belo ver o bispo de Roma e o patriarca de Constantinopla lavar os pés um do outro, como testemunho de qual è a fonte do ministério de todos nós, presbíteros e bispos. Um gesto assim indicaria um passo novo no caminho da unidade. Para que essa unidade visível se torne mais efetiva,  é importante que a Igreja Católica supere todas as dificuldades e decida entrar como membro normal e pleno do Conselho Mundial de Igrejas.

Ao orar com os nossos pastores diante do Santo Sepulcro, não podemos esquecer que, durante séculos e mesmo em incidentes recentes, muitas vezes, a pedra do Santo Sepulcro tem sido transformada em pedra de escândalo. O próprio lugar da doação da vida se tornou frequentemente motivo de cruzadas, violências e guerras. Por isso, é urgente uma profecia nova. Mesmo se o sepulcro vazio continua sendo para nós um lugar de testemunho, cremos que Jesus Ressuscitado nos espera não na pedra do sepulcro, mas nas Galileias do mundo. E precisamos encontra-lo na comunhão com as vítimas das violências de hoje. Pensemos concretamente no povo palestino, sob permanente ocupação militar e a cada dia sofrendo novas formas de colonização por parte do Estado de Israel. É importante que, em comunhão com algumas comunidades judias que guardam no coração a paz e a não violência, os pastores cristãos ajudem o mundo a levantar o véu que encobre a realidade terrível e opressora que sofre o povo palestino.

Bendito seja Deus por essa viagem que os torna novos peregrinos de Emaús que voltam a Jerusalém. De todas as Igrejas, muitos cristãos se unem a vocês. Sentimos também o coração queimar dentro do peito ao reconhecer o Ressuscitado nas estradas do mundo. As perguntas que, hoje, como pastores, vocês fazem ao peregrino Ressuscitado interpelam a todos/as nós. O modo como, juntos, interpretam as Escrituras trazem uma luz nova a nossos olhos. Na esperança de repartir com todas as Igrejas o pão da comunhão, oramos juntos com vocês a invocação evangélica: “Senhor, fica conosco, porque já anoitece”.

Na alegria de nossa comunhão, confio-me às suas orações e peço que abençoem o irmão menor  Marcelo Barros.                             


[1] - ATENAGORA, CHIESA ORTODOSSA E FUTURO ECUMENICO. Diáloghi con Olivier Clement, Morcelliana, Brescia, 1995, pp. 337. 

Marcelo Barros

Camaragibe, Pernambuco, Brazil

Sou monge beneditino, chamado a trabalhar pela unidade das Igrejas e das tradições religiosas. Adoro os movimentos populares e especialmente o MST. Gosto de escrever e de me comunicar.

Informações