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A ceia do amor divino

A ceia da festa divina depois da queda do mundo opressor

                   Neste 28º domingo comum do ano, o evangelho (Mt 22, 1- 10) nos traz a última das três alegorias que Jesus usou em sua polêmica contra os sacerdotes e religiosos do templo. Para quem pesquisa nos evangelhos o que seriam as palavras originárias do Jesus históricos, é cada vez mais difícil acreditar que Jesus tenha falado de Deus como um rei que no casamento do filho convida pessoas. Estas não quiseram vir. A história toma proporções violentas e inacreditáveis. Apenas pelo fato dos servos insistirem em chama-los para a festa, os tais convidados ultrajam e matam os enviados. E em consequência disso, o rei-senhor manda matá-los e incendiar a cidade deles, isso é, acabar com família e todas as pessoas que habitam ali. A história continua dizendo que em cima de toda essa catástrofe da matança, do incêndio e da destruição da cidade, o rei mantém a festa do casamento do filho e enche a sala de pessoas que não tinham sido convidadas e foram buscadas na rua e trazidas de última hora. Entre elas, está o tal homem que entrou sem ter a roupa apropriada para o casamento e por isso foi condenado e jogado nas trevas exteriores. Como imaginar que o mesmo Jesus que diz que o Pai faz nascer o sol sobre os bons e sobre os maus e faz chover sobre os justos e os injustos possa ser como este senhor rei cuja festa de casamento do filho merece toda esta carnificina?  

Acho impressionante como muitos padres e pastores pregam sobre este evangelho como se esta parábola fosse a mais natural e tranquila do mundo. Como resolver este problema? Antes de tudo, assumindo-o. Isso é reconhecendo que a comunidade de Mateus põe na boca de Jesus uma parábola que deve ter sido para eles um modo de interpretar o que nos anos 80, a comunidade tinha sofrido com a invasão romana e a destruição do templo e de Jerusalém. No entanto, o que fica para nós como palavra atual de Deus? 

Podemos valorizar o fato de que Jesus como imagem do projeto divino para o mundo a imagem da festa com muita comida.  O banquete é imagem conhecida na Bíblia para falar do Reino de Deus. Na tradição judaica, o banquete é símbolo da comunidade dos últimos dias (Cf. Is 48, 21; 49, 9 - 10; 55, 1; Sl 23, 1- 5 e outros). Os rabinos tinham histórias semelhantes a estas duas, tanto a dos convidados que não vieram, como a do homem que veio sem a roupa apropriada para a festa. 

É bom que Jesus compare o reino de Deus com uma festa na qual todos e todas são convidados a comer bem e à vontade. O projeto de Deus é um mundo no qual a comida seja farta e partilhada. O que Jesus condena aos religiosos do templo é eles que se consideravam fieis e ligados a Deus, mas rejeitaram o convite do amor divino. Por isso, a festa do banquete da vida é aberta a todos/as, especialmente, às pessoas mais pobres. 

Na cultura de Jesus, o banquete de Deus se dá na realidade da vida e é gratuito. Ninguém o merece. É festa da partilha gratuita. E transforma as relações humanas. A parábola que no começo fala de “servidores/diáconos”, a partir do momento no qual todos/as estão sentados/as na mesa, o rei os chama não de servos, mas de “companheiros”, estabelecendo uma relação igualitária. O Evangelho de Tomé, um dos livros da terceira geração cristã, ao narrar esta parábola, conclui dizendo: Compradores e comerciantes não entrarão nos lugares do meu pai (EvT. 64). 

Tudo é graça. No entanto, como diz Dietrich Bonhoeffer, a graça de Deus custa caro. Apesar de que o banquete é gratuito e aberto a todos/as de graça, custa caro a Deus e supõe que a pessoa empenhe a vida inteira para poder tomar posse do tesouro que encontrou no terreno que não era o seu. Nesta parábola isso é contado no apêndice que é a história do homem surpreendido na festa sem a roupa apropriada para a ocasião. 

Provavelmente, a comunidade de Mateus colocou essa história do homem sem a veste nupcial aí neste lugar de anexo à parábola do banquete  para impedir que os cristãos interpretem a história dizendo: o povo judeu foi o convidado do banquete no Antigo Testamento. Eles rejeitaram a festa de casamento que foi a vinda do Filho de Deus. Então, Deus abriu sua aliança para todos e os que vieram depois somos nós os cristãos. Este tipo de leitura seria um novo estilo de farisaísmo (nós somos agora os eleitos). Mateus diz: Não basta entrar na casa e sentar-se à mesa. É necessário trocar a roupa. É preciso se converter e ir além das relações da lei e da religião. 

Há uma semana, o papa Francisco publicou a sua encíclica “Todos somos irmãos e irmãs”. Cristãos e não cristãos, não há nenhuma diferença. Todos e todas somos irmãos e se quisermos ser encontrados por Deus com a veste nupcial própria para o banquete da vida, temos de ser testemunhas e arquitetos/as dessa irmandade universal. 

 

 

Marcelo Barros

Camaragibe, Pernambuco, Brazil

Sou monge beneditino, chamado a trabalhar pela unidade das Igrejas e das tradições religiosas. Adoro os movimentos populares e especialmente o MST. Gosto de escrever e de me comunicar.

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