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A salvação é para todos/as

                   Hoje, vivemos em um mundo cada vez mais intransigente com o diferente. Nesses dias, no Brasil, estamos vivendo a tragédia de uma série de ataques e uma verdadeira perseguição a comunidades de religiões afrodescendentes. Nesse contexto, é importante escutarmos essa parábola que a comunidade do evangelho colocou na boca de Jesus. Provavelmente historicamente a parábola serviu para clarear a posição que as primeiras comunidades cristãs e o próprio Jesus tomaram com relação aos não judeus. Na Bíblia, “a vinha” é uma imagem clássica do povo de Deus e da obra que Deus faz conosco (cf. Isaías 5,1-7 e Salmo 80,9-17).

                   Nessa história contada por Jesus, os “operários que trabalharam o dia inteiro na lavoura” significam o povo judeu. Os trabalhadores da última hora são os não judeus, os povos (goyim) da gentilidade. Para nós, que vivemos num país no qual ainda é normal o trabalho diário dos assalariados volantes (boias-frias), parece familiar o fato de Jesus e vocês descreverem a realidade social da Judeia como sendo de desemprego e de trabalhos por contrato diário.

                    Conhecemos ainda hoje essa realidade de pessoas sem emprego, aceitando qualquer oferta que lhe façam. Diferente é esse patrão que age completamente fora das leis sociais vigentes em qualquer sociedade. A maioria dos comentadores chama essa história de “parábola dos trabalhadores da vinha“. No entanto, um título mais adequado seria “Parábola do patrão original ou diferente“. A parábola é sobre o comportamento dele. Todo o problema para os primeiros contratados é que ele, além de começar a pagar pelos últimos, iguala-os aos primeiros que suportaram o peso e o calor do dia. A parábola é sobre “os direitos” iguais que todas as pessoas têm diante do convite de Deus e da recompensa que ele promete. O que os judeus retratados na parábola não aceitam é que “ele os equiparou a nós“.

                    No tempo de Mateus, o Talmud já dizia: um pagão que retorna ao Senhor é maior do que o sumo-sacerdote do santuário” (*). O judaísmo oficial aceitava com tranquilidade que os pagãos podem ser salvos, e que Deus oferece os bens da Aliança a todas as pessoas e povos. Isso, os rabinos aceitavam sem problemas. Mas, não podiam compreender a igualdade de condições entre Israel e os gentios. Paulo e até mesmo Jesus diziam claramente: primeiramente os judeus e depois os outros” (Marcos 7,27; Romanos 1,16; 2,9).

                 Aqui nessa parábola, Jesus dá um passo adiante e diz que Deus começa pelos últimos e dá a estes o mesmo que dá aos primeiros. Os rabinos diziam que: quando Deus promulgou a Torá, ofereceu-a a todas as nações (goyim) e somente Israel a aceitou. Por isso, cada israelita tem tanta importância para Deus quanto têm todos os outros povos do mundo. Todos os dias, o judeu piedoso deve agradecer a Deus por não ter nascido ‘goyim’. Só Israel foi capaz de observar a lei”.

                      Na própria tradição bíblica, os profetas já insistiam na universalidade do amor de Deus e na igualdade de todos perante o Senhor. Em nome de Deus, o profeta Amós chega a dizer: Por acaso, não sois vós para mim, filhos de Israel, iguais aos filhos dos etíopes? Acaso, não fiz subir Israel da terra do Egito, do mesmo modo como fiz os filisteus virem de Caftor e os sírios de Quir?” (Amós 9,7). De fato, “Deus não faz acepção de pessoas e não aceita suborno” (Deuteronômio 10,17).

                    Hoje, numa sociedade marcada pela desigualdade social, essa parábola não deixa de lembrar-nos que Deus propõe igualdade. O fato é que, mesmo no plano social, se não se aceita partir dos últimos e dar a eles tanto quanto aos que são considerados “primeiros“, nunca haverá justiça. Para Deus ninguém tem privilégio e ele acolhe em primeiro lugar os últimos da sociedade. No nosso caso, os preferidos de Deus são as pessoas de religiões negras e indígenas, perseguidas ou marginalizadas por causa de suas crenças. Deus não é propriedade de ninguém, de nenhuma Igreja ou religião e quer o bem e a salvação de todos/as; 

 

Marcelo Barros

Camaragibe, Pernambuco, Brazil

Sou monge beneditino, chamado a trabalhar pela unidade das Igrejas e das tradições religiosas. Adoro os movimentos populares e especialmente o MST. Gosto de escrever e de me comunicar.

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