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Entrevista, 9 de setembro de 2011

Ecumenismo e macroecumenismo: unidade interior na diversidade de caminhos

Ecumênico significa ser universal, no sentido de assumir o fato de pertencermos ao cosmos como membros da comunidade da vida. É verdadeiramente ecumênico quem é aberto a tudo o que é humano, afirma o monge beneditino Marcelo Barros

Por: Moisés Sbardelotto

Se identidade pessoal ou grupal não se dá por contraposição e, sim, pela “capacidade de sermos nós mesmos/as na relação e no permanente aprendizado com os outros com os quais convivemos e interagimos”, no campo das culturas e das religiões também é assim. Essa é a opinião do monge beneditino Marcelo Barros, nesta entrevista concedida por e-mail à IHU On-Line. Segundo Barros,“viver a ecumenicidade é 

ter um espírito universal”. Por isso que “a identidade cristã não se afirma pelo fato de ser oposta ou excluir outra religião e sim por viver o caminho do Cristo na comunhão com outras tradições e expressões de fé”, explica.

Para o monge, se uma igreja se fecha em si mesma e se centra em seu próprio mundo cultural, impede qualquer avanço ecumênico. “Quando os líderes eclesiásticos se refugiam em um saudosismo pessimista e fortalecem um clericalismo autoritário e centralizador, isso impede uma autêntica renovação espiritual, assim como o diálogo e a unidade com outras igrejas”, diz.

Isso também acontece no âmbito ecológico. “No contato com outras religiões e diante dos desafios da atualidade, a teologia e a mística cristãs têm aprendido a integrar mais profundamente Criação e história da salvação”. E essa retomada da dimensão ecológica da fé e da espiritualidade em nível ecumênico não poderá ser feito de forma isolada. “É preciso colocar-se juntas como igrejas e em diálogo com as tradições espirituais que vivem a espiritualidade ecológica há mais tempo (tradições indígenas e negras, por exemplo)”, afirma. 

Marcelo Barros, monge beneditino, é biblista, membro da Comissão Latino-americana da Associação Ecumênica de Teólgos/as do Terceiro Mundo - ASETT e assessor nacional das comunidades eclesiais de base e de movimentos populares como o MST. Tem 40 livros publicados no Brasil e outros em outros países como Itália, Espanha e Bélgica. O seu livro mais recente é Para onde vai Nuestra América: Espiritualidade socialista para o século XXI (São Paulo: Ed. Nhanduti, 2011). 

Confira a entrevista.

IHU On-Line – Em uma sociedade marcada por sincretismos e fundamentalismos de todos os tipos, o que significa ser ecumênico?

Marcelo Barros – Ecumênico significa ser universal, no sentido de assumir o fato de pertencermos ao cosmos como membros da comunidade da vida. É verdadeiramente ecumênico quem é aberto a tudo o que é humano. De fato, em 1910, o atual movimento ecumênico começou em Estocolmo, como caminho da unidade entre igrejas cristãs. No entanto, pouco a pouco, grupos e movimentos ecumênicos perceberam que viver a ecumenicidade é ter um espírito universal. Ora, isso só pode ser vivido a partir da inserção em sua própria realidade cultural, o que significa assumir o sincretismo não como mistura ou confusão de crenças, mas como síntese interior. Raimon Panikkar  chamava isso de “diálogo intrarreligioso”, um diálogo dentro de si mesmo que cria uma unidade interior na diversidade de caminhos.

IHU On-Line – Como equilibrar “identidade” com “unidade”?

Marcelo Barros – Na sociedade atual, quase ninguém se restringe a uma só atividade ou pertença. Eu sou monge beneditino e, ao mesmo tempo, assessor de movimentos populares, o que, em si, nada teria a ver com minha vocação de monge. Posso ainda me inserir em um partido político. Sou ao mesmo tempo amante do cinema e posso me ligar a um grupo de escritores. Atualmente, cada vez mais, as pessoas pertencem a várias instâncias ou diversas instituições.

No campo das culturas e religiões, também há muita relação e intercâmbios. Também no plano religioso, a pessoa pode viver uma identidade clara (por exemplo, ser cristã), mas, ao mesmo tempo, a partir de elementos culturais vindos da cultura negra, indígena ou mesmo espírita. Às vezes, as pessoas ou grupos sequer têm consciência disso. Por exemplo, uma pessoa muito católica que todos os dias vai ao túmulo de sua mãe e ali oferece uma flor ou uma vela acesa, pensa estar cumprindo um costume de origem e de teor teológico católico e nem se dá conta de que aquele rito que ela cumpre vem de tradições religiosas pré-cristãs e que o catolicismo simplesmente assumiu e manteve. Do mesmo modo, se fôssemos averiguar mais detalhadamente a concepção de sacerdócio que padres católicos e fiéis mantêm até hoje, quanto desta concepção veio do evangelho e quanto depende de expressões das antigas religiões pagãs do Império Romano? Quase todo mundo vive uma identidade religiosa que é, ao mesmo tempo, una (aquela com a qual nos identificamos oficialmente) e plural (porque recebe influência de outras tradições).

Aliás, por falar em identidade, a identidade psicológica de um adolescente pode ser afirmada no confronto com o outro. Eu sou eu porque não sou você. No adulto, isso não pode e não deve ser assim. A identidade pessoal ou grupal não se dá por contraposição, mas sim pela capacidade de sermos nós mesmos/as na relação e no permanente aprendizado com os outros com os quais convivemos e interagimos. No campo das culturas e das religiões também é assim. A identidade cristã não se afirma pelo fato de ser oposta ou excluir outra religião, mas sim por viver o caminho do Cristo na comunhão com outras tradições e expressões de fé.

IHU On-Line – Em sua opinião, quais são os atores e os marcos históricos mais importantes do movimento ecumênico no Brasil e na América Latina?

Marcelo Barros – Uma coisa é o movimento ecumênico propriamente dito e outra mais ampla e mais básica é o espírito ecumênico, ecumenicidade como dimensão da fé e da vida. 

1º – Sobre o movimento ecumênico: na América Latina e no Brasil, o movimento ecumênico, no sentido estrito, teve poucos marcos importantes e relativamente poucos atores que se sobressaíram. O primeiro motivo disso foi que o cristianismo veio importado da Europa para os nossos países como religião conquistadora. Esse tipo de catolicismo ainda subsiste na mentalidade de Cristandade. Ele é contrário a qualquer movimento ecumênico. Por outro lado, a maioria das igrejas evangélicas também veio como “protestantismo de missão”, compreendendo a missão como converter à sua igreja o maior número possível de adeptos. Houve pastores e profetas do movimento ecumênico, tanto católicos, como evangélicos. Nos ambientes católicos, alguns monges beneditinos, ainda nos anos 1950, fundaram em São Paulo um Centro de diálogo e comunhão com os ortodoxos (Cor Unum). Um destes monges foi D. Mauro Bodemuller. Depois do Concílio Vaticano II, D. Aloísio Lorscheider,  ainda jovem e bispo de Santo Ângelo, foi o primeiro secretário da CNBB para a ação ecumênica. Ele percorreu o Brasil inteiro dando cursos e palestras sobre ecumenismo e preparando para a Igreja Católica um diretório ecumênico. Do lado protestante, alguns evangélicos fundaram centros ecumênicos que, no Rio de Janeiro e Curitiba, como Waldo César,  Domício Mattos  e outros cumpriram uma boa ação ecumênica nos anos 1960 e 1970. Destes, o professor e sociólogo Jether Ramalho,  com seus mais de 85 anos, até hoje continua atuando e colaborando nas relações ecumênicas. No plano teológico, no final dos anos 1960, Richard Shaull  e Rubem Alves  ajudaram muito a abrir ambientes evangélicos ao ecumenismo e à Teologia da Libertação. 

2º – Quanto ao espírito ecumênico mais geral: desde o início da colonização, alguns missionários estabeleceram um diálogo respeitoso com as culturas indígenas. Nos países de cultura hispânica, Bartolomeu de las Casas,  Antonio de Montesinos,  São Martinho de Lima  (com os negros), Turíbio de Mongrovejo  no Peru e tantos outros praticaram nos primeiros tempos da conquista uma espiritualidade macroecumênica de defesa dos povos indígenas e respeito às suas culturas. No Brasil, José de Anchieta,  Antônio Vieira  e outros missionários portugueses que defenderam os índios nas missões e reduções, mesmo com ambiguidades e dentro do sistema colonial (não romperam com ele), agiram em uma linha de respeito e defesa da vida.

Na realidade atual, teríamos de destacar muitos homens e mulheres que se consagraram à defesa dos índios e negros e ao diálogo com suas culturas. Alguns fizeram disso uma linha de pastoral na Igreja Católica. Podemos recordar no Equador Mons. Leônidas Proaño,  no México, Mons. Sergio Méndez Arceo  e Mons. Samuel Ruiz . No Brasil, D. Pedro Casaldáliga , D. Tomas Balduíno  e D. José Maria Pires , entre vários outros bispos, padres, pastores, religiosas e leigos/as, são exemplos de cristãos/ãs consagrados à defesa dos índios e negros, a partir do diálogo intercultural e inter-religioso. Criaram assim o conceito de “macroecumenismo a serviço da vida”. Para lembrar nomes femininos e não só de bispos católicos, podemos citar Mãe Menininha do Gantois  e Mãe Stella de Oxossi,  que, até hoje, em Salvador, continua sendo referência na defesa da cultura negra e do diálogo intercultural e inter-religioso.

IHU On-Line – Que papel teve o Concílio Vaticano II para a ação e o serviço ecumênicos posteriores?

Marcelo Barros – Até o Concílio Vaticano II, a Igreja Católica não aceitava oficialmente o ecumenismo. Antes, o movimento ecumênico era principalmente protestante. O diálogo com outras religiões era praticado por alguns monges e místicos que agiam sem apoio oficial. Foi o Vaticano II que abriu a Igreja Católica, tanto ao ecumenismo (entre igrejas), como ao macroecumenismo (com outras religiões). Para o caminho ecumênico, o Concílio contribuiu com a superação do conceito de missão como proselitismo e também propôs o caminho da unidade no serviço à paz e à justiça. Antes do Concílio, era comum os católicos pensarem que a unidade deveria se dar pela “volta” dos irmãos separados à Igreja Católica. O Concílio deixou claro: a única conversão possível deve ser ao Cristo e vivida por todos os cristãos. Além disso, o Concílio propôs às outras igrejas uma visão mais positiva com relação ao mundo e à relação entre fé e política.

IHU On-Line – Que pontos do Concílio merecem ser ainda mais aprofundados/concretizados ou revistos/abandonados dos debates de então?

Marcelo Barros – Até hoje, a Igreja Católica ainda não vive na prática a eclesiologia da igreja local (igreja significa comunidade local). O Concílio vislumbrou isso, mas não concretizou esta teologia. A doutrina católica sobre ministérios – especificamente, o ministério do papa que o próprio Concílio não chegou a transformar – é um ponto a ser aprofundado, se as igrejas querem realmente retomar mais profundamente o caminho do Evangelho e caminhar para a unidade na diversidade ou “diversidade reconciliada”. 

Sobre o diálogo com as outras religiões, o Concilio valorizou as outras tradições espirituais, abriu-se ao diálogo com elas, mas afirmou que isso deve se dar sob a unidade do Cristo. O setor atual da teologia chama isso de “inclusivismo” (todos os fiéis, em qualquer religião que seja, são salvos pela graça de Cristo). É uma concepção a ser superada, ou ao menos ampliada na direção de uma visão pluralista da fé e da salvação.

IHU On-Line – Especificamente no âmbito católico, que sombras e luzes o senhor percebe na caminhada ecumênica da Igreja Católica ao longo do papado de Bento XVI?

Marcelo Barros – Se uma igreja se fecha em si mesma e se centra em seu próprio mundo cultural, impede qualquer avanço ecumênico. Quando os líderes eclesiásticos se refugiam em um saudosismo pessimista e fortalecem um clericalismo autoritário e centralizador, isso impede uma autêntica renovação espiritual, assim como o diálogo e a unidade com outras igrejas. Onde não existe a mínima liberdade de expressão e a pesquisa teológica, só se tem permissão de repetir o que a autoridade suprema já falou; não há lugar para igrejas locais que sejam verdadeiras igrejas: elas se tornam meros departamentos da matriz ou central e sequer é possível algum processo de aproximação com outras igrejas.

IHU On-Line – Em sua opinião, quais são as principais contribuições ao ecumenismo no contexto brasileiro? 

Marcelo Barros – Sem dúvida, o surgimento nos anos 1970 da Pastoral da Terra com a CPT [Comissão Pastoral da Terra], da nova pastoral Indigenista com o Conselho Indigenista Missionário – Cimi e de outras pastorais, como a operária, a carcerária, a dos sofredores de rua e com jovens, ao realizar concretamente a missão da Igreja como serviço libertador aos setores empobrecidos, possibilitou um ecumenismo de base. Esta foi e ainda é a maior contribuição ao ecumenismo na nossa realidade. Várias destas pastorais tiveram origem e têm natureza claramente ecumênicas.

IHU On-Line – E os principais desafios/obstáculos eclesiais, sociais e culturais ao ecumenismo no contexto brasileiro? 

Marcelo Barros – Mesmo se há mais de cem anos, já existe a separação entre Estado e Igreja, setores da hierarquia católica ainda exercem certo poder na sociedade e às vezes ainda expressam desejos de privilégios em áreas como educação e influência sobre o governo. Ainda viceja em certos ambientes católicos uma cultura de Cristandade que tende a desconhecer outras expressões espirituais. Além disso, em programas de rádio e televisão, alguns grupos pentecostais, neopentecostais e mesmo católicos rejeitam o diferente e chegam mesmo a atacar outros grupos espirituais como as religiões de tradição afrodescendente. 

Além disso, as poucas iniciativas ecumênicas (boas e oportunas) como a Campanha da Fraternidade Ecumênica ainda são pensadas a partir exclusivamente da cultura católico-romana. Acontecem no tempo litúrgico da Quaresma praticado mais pela Igreja Católica. Os subsídios trazem propostas para Via Sacra e Adoração Eucarística, devoções católicas, mas não, por exemplo, para a Escola Dominical de igrejas evangélicas. Isso limita a participação de outras confissões. 

Entretanto, o obstáculo maior para o ecumenismo no Brasil e em outros países ainda é a concepção de poder eclesiástico e a dificuldade de um diálogo fraterno, vivido como discipulado de iguais. Aí tocamos em temas como o da participação das mulheres nos ministérios e os assuntos ligados à moral.

IHU On-Line – O Mutirão Ecumênico deste ano sugere a reflexão em torno do tema “Unidos em Cristo na defesa da Criação”. Em sua opinião, quais são as principais contribuições da teologia e da mística cristãs para a “defesa da Criação”?

Marcelo Barros – A teologia e a mística cristã se formaram em um contexto cultural que, muitas vezes, separou Criação e Redenção. Uma antiga oração, até hoje usada no Natal, diz: “Ó Deus, de forma admirável criaste o ser humano, mas, através da vinda de Jesus, de forma mais admirável ainda o redimiste”. Este tipo de comparação coloca a obra da criação como algo do passado e de certa forma superada pela salvação trazida por Jesus. No contato com outras religiões (principalmente tradições mais ligadas à natureza) e diante dos desafios da atualidade (a destruição ecológica), a teologia e a mística cristãs têm aprendido a integrar mais profundamente Criação e História da Salvação. A contribuição específica da teologia e da espiritualidade cristãs para a defesa da Criação tem sido, de um lado, testemunhar que a salvação realizada por Deus, através de Jesus, atinge não só a humanidade, mas todo o universo e, ao mesmo tempo, insistir na missão do ser humano em ser zelador e representante de Deus no cuidado com a criação.

IHU On-Line – O lema do encontro é o versículo de Romanos 8, 19: “A criação espera com impaciência a manifestação dos filhos de Deus”. Como podemos compreender hoje o significado mais profundo dessa afirmação de Paulo aos cristãos de Roma, diante da crise ecológica?

Marcelo Barros – Este texto revela a dimensão cósmica da redenção. Toda a natureza, criada por amor, sofre quando o ser humano se torna um Adão cego e malvado que a tiraniza. Essa mesma natureza, o universo inteiro, vive conosco a expectativa da plena libertação, iniciada pela ressurreição de Jesus e completada por todo ato de amor que atualiza a Páscoa nossa e do universo. A crise ecológica manifesta o domínio do egoísmo humano. Este Mutirão Ecumênico explicita que temos de colaborar com o parto (obra divina) de uma criação renovada e harmonizada com a humanidade nova da qual, ao menos em princípio, já devemos fazer parte.

IHU On-Line – Como as igrejas cristãs podem recuperar ecumenicamente a dimensão ecológica da fé e da espiritualidade?

Marcelo Barros – Em primeiro lugar, nenhuma igreja pode fazer isso sozinha ou isoladamente. É preciso colocar-se juntas como igrejas e em diálogo com as tradições espirituais que vivem a espiritualidade ecológica há mais tempo – as tradições indígenas e negras, por exemplo. Aí sim, é preciso retrabalhar a espiritualidade ecológica contida no louvor das celebrações (salmos e cânticos), no teor dos sacramentos (água, pão, vinho, etc.) e principalmente na valorização da vida como o que há de mais sagrado.

IHU On-Line – Como você vê a relação entre democracia e ecumenismo? 

Marcelo Barros – Se cremos que o Espírito de Deus está presente e atua em toda obra de justiça, paz e amor, não há dúvida de que este mesmo Espírito inspira as atuais manifestações da juventude e de grande parte da humanidade, o que está acontecendo em várias partes do mundo. São ações e movimentações para democratizar mais ainda a democracia e transformar a organização social do mundo, de forma que a democracia seja mais participativa e não só representativa. Esta juventude dos “indignados”, por exemplo, não se referem às igrejas. Entretanto, o próprio termo igreja surgiu no contexto do antigo mundo grego como assembleia de cidadãos. Paulo o universalizou e falou da igreja de Deus aberta a todos, escravos e livres, homens e mulheres, judeus e gentios.

IHU On-Line – Como as igrejas podem se comprometer de forma mais eficaz com os sujeitos contemporâneos mais vulneráveis no contexto brasileiro, como as mulheres, os negros, os índios e os homossexuais?

Marcelo Barros – Isso exige das igrejas uma visão diferente da que elas parecem ter sobre Deus e sobre a sua missão de igrejas. No modo atual como a Igreja Católica (e outras) pensa sobre Deus e compreende sua própria missão, é absolutamente compreensível que, na penúltima eleição presidencial nos EUA, bispos católicos tenham declarado voto por Bush.  Esses bispos sabiam que Bush tinha invadido violentamente o Iraque, tinha mandado jogar bombas sobre a população civil, trazido para Guatânamo prisioneiros de vários povos e defendia a tortura como meio normal de interrogação. Para os tais bispos, nada disso impedia que votassem nele. O mais importante era o fato de Bush ser contra o aborto e contra a aceitação civil para fins jurídicos da união gay. 

Do mesmo modo, nas últimas semanas da recente campanha eleitoral, três bispos de São Paulo se posicionaram sobre em que candidato os católicos deveriam votar para presidente. Pouco importava qual dos candidatos serviria melhor ao povo mais pobre, apresentava um programa de governo mais coerente ou, por exemplo, qual deles favoreceria mais a integração latino-americana. Nada disso importava. Para eles, o único critério era não votar naquela candidata que, segundo boatos, seria favorável à liberalização do aborto em situações médicas que a Constituição já aprovava.

Este tipo de embate não é acidental. É decorrência de uma teologia e de uma forma de compreender a doutrina que ainda é oficial na Igreja Católica e em outras igrejas. É a mesma teologia e espiritualidade que fez com que, no ano passado, no Brasil, certos setores da hierarquia católica fizessem lobby e pressionasse o presidente contra o 3º Plano Nacional de Direitos Humanos. E farão isso contra qualquer iniciativa civil que vá além da compreensão moral que estes bispos têm e que acreditam dever ser de todos os católicos. Neste ponto, existe um forte ecumenismo ao inverso do que deveria ser o ecumenismo entre setores oficiais do Vaticano, grupos pentecostais e grupos fundamentalistas do islamismo por exemplo. Se não se repensa a compreensão de Deus, da fé e da eclesiologia, o testemunho que estes hierarcas continuarão a dar a muitos setores marginalizados e vítimas de violência e discriminação (como mulheres e homossexuais) é de desamor e de aliança com o sistema patriarcal e injusto.

IHU On-Line – Deseja acrescentar algo?

Marcelo Barros – Uma visão atual de espiritualidade ecumênica supõe não só a abertura para outras igrejas e tradições religiosas, mas também para muitos grupos e setores da sociedade que se ligam a uma opção pela justiça e pela paz, mas não pertencem a nenhuma tradição religiosa. Sinto que um desafio grande para a teologia ecumênica atual é ser capaz de relativizar uma linguagem teísta (na qual Deus é visto como alguém fora de nós mesmos e da vida) para inserir-se em uma espiritualidade na qual o mistério divino seja contemplado no interior do próprio ser humano, em todo ser vivo e transparente em todo o universo.

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11 jan. 2009 – Reproduzimos abaixo a entrevista com o teólogo Marcelo Barros dada em 2003 durante o Fórum Social Mundial em Porto Alegre. 

Marcelo Barros

Camaragibe, Pernambuco, Brazil

Sou monge beneditino, chamado a trabalhar pela unidade das Igrejas e das tradições religiosas. Adoro os movimentos populares e especialmente o MST. Gosto de escrever e de me comunicar.

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