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​Entrevista, sábado 16 de março 2013

Entrevista del Correo del Orinoco a Marcelo Barros

(Está aqui em Caracas para participar das celebrações em memória do nosso comandante supremo da revolução bolivariana, Hugo Chávez Fria, o monge beneditino brasileiro Marcelo Barros. No dia anterior ao transporte do corpo para o quartel da montanha, diante da capela ardente onde estava o corpo do presidente, Marcelo pronunciou uma oração emocionada e vibrante. Aproveitamos sua presença aqui entre nós para algumas entrevistas em televisão. Marcelo é o atual coordenador latino-americano da Asociación Ecuménica de Teólogos/as del Tercer Mundo – ASETT. Foi dos teólogos da libertação mais próximos do nosso comandante presidente Hugo Chávez Frias e tem 44 livros publicados em várias línguas. Recentemente escreveu “Para onde vai Nuestra América – para uma Espiritualidade socialista para o século XXI. Marcelo é nosso colaborador semanal no Correo del Orinoco).

- Marcelo, como você se aproximou da revolução bolivariana aqui na Venezuela?

- Toda pessoa latino-americana que tem fome e sede de justiça social e deseja a libertação do nosso povo tem interesse pela revolução bolivariana porque ela busca e realiza isso. Eu vim ao Fórum Social Mundial de 2006 aqui em Caracas. Fui encarregado pelos movimentos sociais, especialmente pela Via Campesina para apresentar o presidente Chávez no encontro que os movimentos sociais teriam com ele no Poliedro. Eram umas 25 mil pessoas e eu tinha três a cinco minutos para falar da espiritualidade bolivariana e no final apresentar o presidente Chávez. Quando eu estava para subir no palco, um jovem soldado venezuelano veio em minha direção e perguntou:

- Usted es el cura que va bendecir nuestra revolución?

Eu lhe respondi:

-    Hermano, si nuestra revolución es verdadera, ella no necesita de bendición, porque ella es sagrada en si misma y ella es que nos bendice…

Comecei minha fala àquela multidão contando esse fato ocorrido alguns minutos antes e explicando porque uma revolução verdadeira é espiritual – porque corresponde ao sonho divino, expresso praticamente nas revelações, de um modo ou de outro, feitas por Deus às mais diversas tradições espirituais. Para nós, cristãos, como para os judeus, a Bíblia nos ajuda a compreender que a revolução que parte dos mais pobres, busca fazer a justiça e toma como objetivo o bem viver para todos é santa e é sacramento do reino de Deus nesse mundo.

  - Marcelo, que papel o presidente Hugo Chávez representou na sua vida pessoal e para os brasileiros ligados à teologia da libertação?

Ele ficou muito grato pelo modo como eu falei da revolução bolivariana e dele como instrumento divino para estender essa revolução para todo o continente. Penso que, além de ter mostrado que se pode ser socialista hoje em dia e para mim, melhor ainda, socialista e cristão verdadeiro, profundo – ele era. Ele realmente nos fez acreditar de novo na integração continental e na solidariedade entre nossos povos.

- Mas, por aqui em alguns círculos do governo, dizem que ele tinha um apreço especial por você. Como você explica isso?

- O presidente Chávez tinha uma grande admiração pelo general Abreu e Lima, companheiro de Simon Bolívar e que era pernambucano como eu sou. Quando Chávez descobriu que eu sou pernambucano, sempre que me encontrava dizia: “Mi padre pernambucano, de la tierra de Abreu e Lima. Debemos mucho a ustedes”.  E eu ficava com vergonha porque não conhecia quase nada da história de Abreu e Lima. Ele me fez estudar e descobrir o pouco que sei sobre esse pernambucano que lutou com o pai (padre casado) na insurreição pernambucana (Confederação do Equador) e depois no exército bolivariano libertador da Venezuela. 

Dizem que Chávez pediu a você para escrever o livro sobre espiritualidade bolivariana?

- Em Assunção, no dia seguinte à posse do presidente Lugo, fui convidado para um café da manhã no qual estava o presidente Chávez e ele me reconheceu, me fez sentar ao seu lado e me perguntou se eu já tinha pensado em escrever sobre a espiritualidade bolivariana. Animou-me a fazer isso e me disse que se eu quisesse, ele me daria uma entrevista para o livro. Fiquei animado e voltando para casa, escrevi o livro.

- Qual o legado que o presidente Chávez nos deixa?

- A responsabilidade de devolver ao exercício da política uma dignidade de testemunho espiritual, o trabalho de manter as conquistas da revolução aqui e na integração latino-americana e de restituir de fato o poder às comunas e às bases. Dentro de poucos dias, nós cristãos de Igrejas históricas, vamos celebrar a Páscoa. Na Bíblia judaica, essa festa recorda uma libertação social e política do povo de Deus e para os cristãos a ressurreição de Jesus tem de ter essa implicação – de ressurreição social e política dos nossos povos. Não pode ser apenas uma questão de alma ou de vida depois da morte.

- Por falar nisso, e a Igreja nesse momento?

- As Igrejas estão bem se se veem como congregações locais e a partir do povo pobre. Ainda na semana passada estive em um encontro de Cebs no interior do nordeste, em meio a uma seca terrível, uma pobreza enorme, mas um povo unido e solidário. Dá esperança...

- Sim, mas e o papa Francisco, o que você acha dele?

- Não acho que seja tão importante falar do papa. Temos de acentuar o Cristianismo das bases. Não gosto dessa mistificação que agora os meios de comunicação, sedentos de espetáculos hollywoodianos se prestam a fazer sobre o conclave e a eleição do novo papa. Ele é o bispo de Roma, a diocese de Roma tem uma função importante de unidade das Igrejas e pronto... Vamos falar das nossas Igrejas aqui nesse continente.

- Sim, mas se temos um papa como eram os dois últimos, interferiram muito na nomeação dos bispos e no caminho das nossas Igrejas...

- Concordo, mas isso revela que temos de mudar esse modelo centralizador de Igreja e não legitimá-lo ao ficar mistificando a figura do papa.

- Então, definitivamente, você não vê nada de positivo na eleição de um papa latino-americano e ligado aos mais pobres?

- Sem dúvida, agradeço a ele ter livrado a Igreja Universal de outros candidatos piores.

- Quem?

- Por exemplo, ele nos livrou de ter como papa algum dos cardeais que eram mais cotados e eram os candidatos do cardeal Bertoni ou do grupo de Sodano, homens da cúria romana e responsáveis pelo que está acontecendo por lá e que todo mundo quer mudar.

- Então, ele é o menos pior, mesmo com seu estilo simples e ligado aos pobres.

- Não sei se ele é ligado aos pobres, mas para mim isso não interessa tanto. O importante é que os empobrecidos possam se organizar e eles serem instrumentos de sua libertação e não objetos da piedade ou do amor condescendente de poderosos que se curvam para eles.

- Puxa, você é radical...

- Se radical quer dizer exigir de mim sempre ir às raízes da questão e não ficar na superfície sim. Se significa ser rígido e duro, tento não ser. É claro que os pobres precisam de aliados em todos os setores. O que estou dizendo é que uma Igreja que continue acreditando no poder e na estrutura sacral do papado como está atualmente não pode ser uma Igreja que opta pelos pobres e parte dos mais pobres. Será sempre ambígua e provocará permanentemente essa discussão se colabora ou não com as ditaduras. Como poder, está ligada a todo poder e onde puder garantir o seu poder, ela atuará... As exceções existem, mas como são exceções só confirmam essa realidade. Temos de todos nós voltarmos à simplicidade das bases e a crer na força dos pequenos. Isso é Páscoa.

- Você acha que o presidente Chávez fez isso?

- Começou a fazer. Nós temos de continuar.

Marcelo Barros

Camaragibe, Pernambuco, Brazil

Sou monge beneditino, chamado a trabalhar pela unidade das Igrejas e das tradições religiosas. Adoro os movimentos populares e especialmente o MST. Gosto de escrever e de me comunicar.

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