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​Entrevista, terça feira, 23 de outubro 2012

Entrevista para a revista italiana Altrapagina

(jornalista Acchille Rossi – traduzido para o português)

 dada em 23 de outubro de 2012

1)     Depois de 50 anos, é possível fazer um balanço do significado que o Concílio Vaticano II teve para as Igrejas da América Latina?

Na América Latina, até o Concílio, (1962), as Igrejas cristãs eram como se fossem embaixadas dos países europeus e centros de difusão da cultura ocidental que a maioria dos padres estrangeiros e brasileiros identificava como sendo a única forma de viver e de pensar a fé cristã. A partir do Concílio, começam a surgir Igrejas com cara e coração verdadeiramente latino-americanos. A partir da 2° conferência geral dos bispos latino-americanos em Medellin, na Colômbia, 1968,  reunião que aplicou o Concílio ao nosso continente, muitos cristãos e pastores se envolveram nos movimentos sociais pela libertação dos nossos povos.  

2)     Quais foram as indicações do Concílio que mais influenciaram a Teologia da Libertação e os seus desenvolvimentos sucessivos?

Sem dúvida, os documentos do Concílio Vaticano II que mais tiveram influência sobre a teologia e as Igrejas latino-americanas foram a constituição sobre a palavra de Deus (Dei Verbum) e a que trata da missão da Igreja no mundo (Gaudium et Spes). Mas, é importante dizer que mais ainda do que através dos documentos, o Concílio influenciou nas nossas Igrejas e na nossa teologia pelo ambiente eclesial aberto e misisonário que criou. A Igreja parecia irmã e companheira de todos os seres humanos em sua busca. E falava uma linguagem amorosa e de vida e não somente de sexo e pecado. Nesse sentido, para nós foi fundamental o testemunho do papa João XXIII, um pastor verdadeiramente cristão e sem medo de viver o evangelho. Também o Concílio provocou um clima entre os bispos que fez bem a toda a Igreja. Os bispos já não eram mais doutores que davam sobre tudo a última palavra sem escutar ninguém, mas, ao contrário, se punham como irmãos e parceiros de diálogo da humanidade. Além disso, a Igreja inteira se colocou o problema que sempre aparece em todos os momentos de reforma eclesial: o compromisso com os pobres. Durante o Concílio, mais de cem bispos assumiram um compromisso de ser pobres e solidários com os pobres. Foi o chamado “pacto das catacumbas”. Não foi um documento do Concílio, mas teve uma profunda influência em tornar a Igreja mais simples, mais dialogante com a humanidade e uma Igreja com os pobres e dos pobres.  

3)  Em um tempo de sua vida, você foi uma das pessoas próximas a um dos protagonistas do Concilio Vaticano II. Quais foram as contribuições mais importantes de Dom Hélder Câmara ao processo do Concílio?

Dom Hélder Câmara foi um dos mais importantes pais do Conílio, mesmo se ele fez isso de forma voluntária e fora das sessões plenárias. Ele foi um grande articulador de todos os movimetnos e iniciativas importantes dos bispos e dos teólogos. Ele foi um dos principais inspiradores da constituição sobre a Igreja no mundo de hoje (Gaudium et Spes) e da abertura da Igreja ao mundo dos pobres. Na América Latina, ele fundou a primeira conferência de bispos do mundo (no Brasil, 1955) e o CELAM, Conselho episcopal latino-americano. Ele abriu a Igreja ao mundo e às grandes causas da humanidade. Soube ser pastor e profeta não a partir do poder e sim do amor solidário e do serviço simples e humilde ao povo.

4)  Parece que o Concilio, ao menos na Europa, tenha esgotado sua energia criativa. Acontece a mesma coisa na América Latina e por que?

No encerramento do Concílio, o papa Paulo VI fez um discurso cujo título e tema principal era: “Igreja, o que dizes de ti mesma?”. O assunto principal do Concílio foi a natureza e a missão da Igreja. A transformação mais profunda que o Concílio trouxe à Igreja foi a eclesiologia das Igrejas locais. Isso significa que a Igreja não pode ser uma multinacional religiosa, mas sim uma comunhão de Igrejas locais autônomas e unidas na diversidade. Logo que o Concílio acabou e os bispos voltaram, cada um para a sua diocese, a cúria romana retomou a função de poder central controlador. A partir do pontificado de João Paulo II, o Vaticano tenta recriar uma nova cristandade. Isso anula o Concílio e dificulta que o espírito do Vaticano II possa ainda soprar sobre o mundo. Hoje, às vezes, se tem a impressão de que o Santo Ofício (a Congregação romana para a doutrina da fé) tomou a Igreja inteira, reduz tudo a si mesmo e faz das Igrejas locais e das conferências episcopais simples organismos executores das decisões romanas. Seja como seja, com dizia um ditado da época das ditaduras latino-americanas, “podem destruir algumas flores, mas não conseguirão deter a primavera”. Na América Ltina, como também na Europa, nas bases das Igrejas, muitas comunidades e movimentos cristãos inseridos resistem como “minorias abraâmicas”, expressão de Dom Hélder Câmara para indicar os grupos proféticos no mundo e na Igreja de hoje..

5)     Como é possível hoje no interior da Igreja retomar o espírito conciliar e, em tua opinião,  sobre que temas é necessário prosseguir a reflexão?

Em pleno século XIX, uma vez, perguntaram ao cardeal Newman, como ele via o futuro da Igreja. Ele respondeu: Pio IX não será o último papa”. Hoje, creio que devemos viver na Igreja como os irmãos e irmãs que na década 50 levaram adiante diversos movimentos eclesiais que não eram aceitos por Roma e eram até perseguidos, mas criaram o clima que depois, tornou possível o Concílio. Os teólogos e pastores que, naquela época, sustentaram e levaram adiante o movimento litúrgico, o movimento patrístico, o movimento ecumênico, bíblico, teológico e tantos outros, fecundaram o terreno eclesial em uma época que era como um frio inverno teológico e institucional. Mesmo se eram ignorados e até perseguidos por Roma, esses movimentos de base prepararam o terreno. Quando chegou o santo papa João XXIIII, imediatamente a primavera pode renascer.  

Hoje, devemos repensar a fé a partir do paradigma pluralista e como serviço à paz e à justiça no mundo. Sabemos que só uma Igreja que escolhe a liberdade como valor- fim pode ser acreditável e reconhecida como testemunha do evangelho de Jesus no mundo. Vivamos isso na diáspora das pequenas comunidades eclesiais. É importante sim prosseguir a reflexão, mas o mais importante mesmo é garantir a continuidade da caminhada da Igreja no meio dos empobrecidos. 

Marcelo Barros

Camaragibe, Pernambuco, Brazil

Sou monge beneditino, chamado a trabalhar pela unidade das Igrejas e das tradições religiosas. Adoro os movimentos populares e especialmente o MST. Gosto de escrever e de me comunicar.

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