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Fatos que nos pedem mudanças

Fatos que nos pedem mudanças

             Nesse 3º domingo da Quaresma (Ano C), meditamos o trecho do evangelho de Lucas (13, 1 – 9), no qual Jesus usa a linguagem dos profetas bíblicos e convida todos à conversão, ou seja, a uma profunda e radical mudança de vida. No mundo atual, esse trecho do evangelho precisa ser relido em seu contexto e compreendido, de forma a não passar a imagem de um deus que castiga e se vinga dos que não o seguem. 

O contexto histórico no qual se situa o texto é que, em meio à sua viagem a Jerusalém onde vai enfrentar o sistema e morrer, Jesus pede aos discípulos e discípulas que prestem atenção aos sinais do tempos e aprendam a interpretar a realidade (Lc 12, 54- 59). 

Até hoje, saber interpretar a realidade é das coisas mais difíceis, mais ainda discernir o que os tempos atuais indicam para o amanhã. Basta ver como as Igrejas e os cristãos no Brasil estão divididos em relação à situação política do país e suas saídas. Apesar de todo esforço do papa Francisco, amplos setores do clero e da hierarquia, assim como muitos grupos que se dizem cristãos parecem negar-se a ver os sinais dos tempos. Não somente não se abrem à realidade atual, como agem no sentido contrário aos princípios e orientações do evangelho. No Brasil, há padres defendendo porte de armas, bispos tomando posições de extrema-direita e cardeais convidando eclesiásticos chefes da oposição ao papa Francisco para orientar padres e leigos da sua arquidiocese. Ao contrário disso, Jesus mostra que aprender a interpretar bem a realidade e agir a partir dessa visão é parte essencial da fé. É um modo de escutar e acolher a palavra de Deus. 

Nesse domingo, 24 de março, comunidades abertas do mundo inteiro celebram a memória do bispo Oscar Romero que deu a vida na defesa dos pobres em El Salvador (1980) e o papa Francisco canonizou no ano passado. Vamos fazer um teste: Deem uma olhada em sua Igreja local e vejam quantas paróquias e comunidades lembram a memória de Romero ou celebram o seu martírio? Infelizmente, muitos fazem como se não soubessem. Não se interessam por isso, porque Oscar Romero é considerado de esquerda. É um mártir político. E isso não lhes interessa. Não querem uma Igreja martirial, ou seja fiel ao testemunho do mártir Jesus. Na Quaresma, celebram a memória da paixão de Jesus, como se nada tivesse a ver com a oposição ao sistema político dominante do mundo. E mesmo quando falam em Campanha da Fraternidade é como se fosse apenas um apêndice da fé na linha da caridade assistencial.

O que o evangelho conta é que Jesus, ao caminhar para Jerusalém onde vai morrer na cruz, faz aos discípulos a advertência: é preciso aprender a interpretar corretamente os sinais dos tempos (a realidade social e política do mundo e do país). E logo depois de ter feito essa advertência, Jesus é informado a respeito de um massacre de galileus (peregrinos na cidade) cometido por Pilatos em Jerusalém. Conforme alguns exegetas, esses galileus podem ter sido ligados aos zelotas contra a ocupação romana e por isso foram “castigados”. É possível que as pessoas que informaram a Jesus sobre isso quisessem saber a posição dele sobre o movimento zelota, rebelde contra o Império (movimento armado que acabará se tornando importante na guerra declarada dos romanos contra os judeus mais tarde - pelo ano 67 D. C). Jesus não responde sobre isso. O que ele faz é investir contra a concepção farisaica que acreditava em uma ligação íntima entre as coisas negativas e sofrimentos que ocorrem na vida e o pecado. Por isso, Jesus pergunta: Vocês acham que aqueles galileus que morreram, eram mais pecadores do que outros e do que vocês? 

No tempo de Jesus e ainda na época das comunidades que escreveram os evangelhos, os fariseus diziam: “Somos justos, por isso não merecemos uma tragédia como aquela”. Ao contrário disso, Jesus denuncia que todos somos pecadores e todos precisamos de conversão. A dificuldade que essas palavras suscitam, hoje, é que o modo como Jesus fala ainda dá a impressão de um Deus que castiga de modo terrível os que não se convertem.   

Nessa história, a preocupação de Jesus não é a imagem divina. Ele liberta a imagem de Deus da concepção farisaica, na qual Deus parece enquadrado nas nossas ações e divide as pessoas em puras e impuras, boas e más, santas e pecadoras. Isso, Jesus mostra que não tem sentido. Mas, usa a mesma linguagem de Jeremias quando diz que Israel vai para o exílio por causa de seus pecados. Ele não disse que o mal acontece porque Deus castiga e sim porque a não conversão leva o povo ou a comunidade a uma situação de fragilidade e erro que acarretam o mal.

- De fato. Basta ver a parábola da figueira estéril. A figueira era comumente símbolo de Israel (Cf. Jr 8, 13, Os 9, 10; Mq 7, 1). É importante ver que o lavrador pede ao dono da lavoura a paciência de mais um tempo e uma nova oportunidade para a figueira que não produz frutos. Toda essa passagem é marcada pela advertência à conversão. 

Dois padres salvadorenhos escreveram um livro sobre “Dois anos da vida de Monsenhor Romero(1975 e 1976). Zacarias Díez e Juan Macho mostram com documentos que Romero, antes de ser arcebispo de El Salvador, foi por dois anos bispo de Santiago de María, uma diocese pobre ao norte do país. Em uma de suas declarações, Romero afirma: “En Santiago de María, me topé con la miséria”. Lá, ele começou a frequentar os lavradores que ele, Romero, descobriu, serem “mais cristãos que os padres” e ter mudado o seu coração e a sua forma de viver e de compreender a fé. Ali, ele se converteu aos pobres e se tornou um bispo dos pobres. (O livro se encontra no site do www.serviciokoinonia.org). Essa é também nossa experiência: é a relação direta e profunda com as pessoas e grupos mais oprimidos da sociedade que nos faz mudar o coração e a vida. Quem nos converte é Deus, mas através dos pobres e da sua luta pela vida e por ver respeitada e reconhecida a sua dignidade humana. 

Marcelo Barros

Camaragibe, Pernambuco, Brazil

Sou monge beneditino, chamado a trabalhar pela unidade das Igrejas e das tradições religiosas. Adoro os movimentos populares e especialmente o MST. Gosto de escrever e de me comunicar.

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