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Meditação bíblica, domingo, 14 fevereiro 2016

Desde tempos muito antigos, nesse primeiro domingo da Quaresma, as Igrejas cristãs de tradição antiga leem o evangelho das tentações de Jesus. Depois da reforma litúrgica, lemos nesse ano o evangelho de Lucas e hoje as tentações conforme Lucas: Lc 4, 1- 13.

A primeira coisa que nos chama a atenção no texto dos três evangelistas que narram essa história é que Jesus é levado ao deserto pelo Espírito Santo... Marcos usa um verbo que poderia ser traduzido: O Espírito empurra Jesus ao deserto para ser tentado pelo diabo. Diabo ou Satanás é uma entidade das religiões persas e babilônicas que entrou na concepção popular do Judaísmo. Um tipo de sincretismo como hoje temos quando no Brasil falamos em Orixás e dizemos que Iemanjá é Nossa Senhora... É uma imagem, uma figura personificada de algo que impede o caminho da fé e da missão. O rabino Nilton Bonder diz que na tradição judaica o diabo é um bloqueio no caminho. De fato, em um texto do evangelho, Jesus chama Pedro de Satanás "porque tu és para mim um obstáculo, um bloqueio para eu cumprir a missão". Então, o diabo é a energia dentro de nós que nos bloqueia, que nos paralisa ou nos divide do caminho, do projeto fundamental da fé.

Compreendido assim, as tentações não são como uma prova ou concurso para ver se a gente é aprovado ou reprovado. Não é uma armadilha para ver se a gente cai. Se fosse assim, até seria mais fácil. A tentação não é uma prova para a gente superar. É um projeto a discernir. O que Deus quer me dizer sobre isso? O que fazer em tal situação? Como ser fiel agora?

E o evangelho diz que Jesus enfrentou teve de discernir como cumprir sua missão no que se refere ao plano básico da sobrevivência - teve fome e portanto tinha de sobreviver... É o plano da economia de subsistência. Teve que escolher o que fazer no plano da política - do poder. "Tudo isso eu te darei porque tudo isso é meu" e o terceiro e talvez mais difícil no plano religioso. O inimigo interior cita até um salmo da Bíblia para convencer Jesus a usar a religião em proveito próprio. Deus vai cumprir o salmo com você. E Jesus rejeitou esses projetos todos. Não aceitou garantir a sua segurança de qualquer maneira, (transformando pedra em pão), não aceitou cumprir sua missão através do poder social e político. Segundo Lucas, o poder é sempre diabólico... Tudo isso é meu. De fato, João chama o diabo: o príncipe desse mundo... E toda vez que a Igreja e os discípulos de Jesus se embriagam com o poder mundano traem o evangelho. E mais sério ainda rejeitou o milagre para si mesmo. E nem aceitou pedir a Deus esse tipo de prodígio... Irá cumprir a sua missão como pobre e servidor e através da cruz. E na cruz vai ouvir os soldados gritarem: Se tu és filho de Deus, desce da cruz que a gente acredita em ti. Ele não desceu, não porque se descesse não salvava o mundo no sentido de que Deus queria a morte dele. Ele não desceu porque ele não podia... Ele não tinha - não quis ter esse poder - nunca em função de si mesmo. Ele era um profeta de Deus. Elias matou profetas de Baal, mas quando a rainha o ameaçou, para não morrer, ele teve de fugir. O milagre que ele fez para os outros não pôde fazer para si mesmo....

Hoje ainda, somos obrigados todos os dias a discernir na vida da gente o que pensar e fazer no plano da sobrevivência - no plano da política (de que lado estou - como vejo a política brasileira nesse momento) e do lado mesmo da religião - o que faço com minha fé... Jesus respondeu a essas questões com a palavra divina, com uma fidelidade ao Pai imensa. Será que eu - nós também???

Marcelo Barros

Camaragibe, Pernambuco, Brazil

Sou monge beneditino, chamado a trabalhar pela unidade das Igrejas e das tradições religiosas. Adoro os movimentos populares e especialmente o MST. Gosto de escrever e de me comunicar.

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