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Meditação bíblica para o domingo, 14 de setembro 2014

Hoje, a Igreja Católica celebra uma festa medieval e que vejo como problemática para os dias de hoje. A festa se chama "Exaltação da santa Cruz". É difícil explicar hoje às pessoas por que e como exaltar a cruz. Tem um lado trágico. Seria como falar em "exaltação da guilhotina, da cadeira elétrica ou da forca". A cruz era no tempo do império romano algo assim ou pior: o castigo infligido aos revoltosos e subversivos em relação ao império. Aí a Igreja diz: Mas, o Cristo tornou esse instrumento de suplício em um instrumento do seu amor pela humanidade e a cruz que era sinal de morte tornou-se sinal de vida. Ao ouvir isso, os evangélicos diriam: "Então, celebremos a vitória do Cristo sobre a cruz" e não a cruz em si. Paulo dizia que pregava o Cristo crucificado, loucura para os gregos, escândalo para os judeus, mas sabedoria e salvação para quem tem fé. Pregar o Cristo crucificado é uma coisa. Pregar a exaltação da cruz pode ser outra.

Historicamente, a festa desse domingo (14 de setembro) foi instituída para comemorar uma vitória dos cristãos contra os persas no ano 626, quando o imperador bizantino Heráclio venceu os infiéis ao império. Hoje, ninguém que celebra essa festa nem lembra ou sabe disso. Mas, durante toda a história, muitas vezes a exaltação da cruz serviu para cruzadas e guerras. E é importante rever isso e transformar essa teologia.

Hoje, me parece que a Igreja deveria, primeiramente, ligar muito mais a obra de salvação de Cristo com a criação, com a bênção de Deus sobre a vida e um olhar positivo sobre o mundo. O evangelho de hoje diz: "Deus amou tanto o mundo que lhe deu o seu filho único". Acho que deveríamos ler o capítulo 3 do evangelho de João desde o inicio da conversa de Jesus com Nicodemos. O importante é um novo nascimento, nascer do alto, nascer do Espírito. Esse é o maior dom de Deus. Esse é o seu maior ato de amor: dar-nos essa vida nova.

A serpente de bronze era um ídolo cananeu. É uma divindade comum a muitos povos, símbolo da fecundidade e da medicina. Ao aceitar uma serpente de bronze no templo de Jerusalém, os profetas tiveram de se justificar e o fizeram contando essa história que teria ocorrido no deserto: é a primeira leitura da missa de hoje (Números 21). De fato, o mesmo Deus que condena de modo veemente o bezerro de ouro, aceita a serpente de bronze. Por que? Por que o bezerro é uma imagem de Deus (um ídolo) que afasta o povo do caminho do Êxodo, impede a libertação, enquanto a serpente (é também um ídolo, uma imagem divina) mas serve para curar e não para oprimir. Deus aceita as imagens que são libertadoras e rejeita as que fazem dele um deus opressor e desinteressado do oprimido.

A cruz de Jesus pode e deve ser compreendida nesse contexto: não do sofrimento pelo sofrimento. Nem porque Deus quisesse que o seu filho sofresse. Nem que fosse para Jesus uma opção. A cruz é resultado histórico da inserção de Jesus. Assim como o martírio de Monsenhor Romero foi conseqüência da sua vida doada ao povo de El Salvador e a morte da irmã Dorothy conseqüência da sua consagração ao povo da Amazônia. Para nós, a morte de Jesus é conseqüência da sua missão de anunciar e testemunhar o projeto divino, o programa que Deus tem para o mundo. E ao fazer isso em um mundo de opressões e de violência, ele foi vítima dessa violência. Mas, o Pai o fez vencer e sua ressurreição é a força de nossa luta e nossa caminhada no testemunho do reino que vem. 

Marcelo Barros

Camaragibe, Pernambuco, Brazil

Sou monge beneditino, chamado a trabalhar pela unidade das Igrejas e das tradições religiosas. Adoro os movimentos populares e especialmente o MST. Gosto de escrever e de me comunicar.

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