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Meditação bíblica, sábado, 19 de março 2016

Nesta noite sábado, voltando de um encontro com o grupo de leigos que Dom Helder fundou e acompanhou até morrer, faço uma vigília de oração para me preparar para celebrar o Domingo de Ramos e aí associo  vocês a essa meditação.

Amanhã, viajarei ao México para dois retiros com beneditinas, mas antes, celebrarei a missa na Igreja das Fronteiras (onde Dom Helder morou). Combinei com o grupo de simplificarmos a celebração, deixando a leitura da Paixão para a meditação pessoal e para a leitura pública na sexta feira santa. Leremos amanhã só o evangelho de Ramos. O motivo não é apenas fazer uma celebração mais curta e sim centrar mais a celebração na esperança de que precisamos nos nutrir para viver esses dias difíceis pelos quais passamos.

De fato, a liturgia desse domingo é um amálgama de duas tradições. A primeira muito antiga vem de Roma. É de uma época em que só havia celebrações no domingo e esse era o domingo da Paixão para que o próximo seja o da Ressurreição. Mas, desde que no final do século IV, uma peregrina (Etérea) veio de Jerusalém, os cristãos de Roma começaram a adaptar à liturgia latina o rito da Igreja de Jerusalém de celebrar a entrada de Jesus em Jerusalém para celebrar a Páscoa. Pessoalmente, acho que essa junção dos dois ritos não foi muito bem feita e ficou sempre uma certa justaposição de duas “mentes litúrgicas” – uma marcada pelo ambiente de festa e de esperança (Ramos) e a outra centrada na paixão e já com os toques da cruz.

Na meditação dessa noite, prefiro tomar o evangelho de João (Jo 12, 12- 19). Diferentemente dos três sinóticos, ele mostra que a entrada triunfal de Jesus em Jerusalém foi iniciativa do povo peregrino (romeiros da Galileia, vindos para a festa em Jerusalém) que, sabendo de que ele levantara Lázaro, o aclamam como rei messiânico... Em claro confronto aos doutores da lei e chefes da religião que querem prender e matar Lázaro e começam a perceber que têm também de pôr as mãos em Jesus. O contexto da entrada com palavras do salmo 118 e citação meio infiel de Zacarias 9, 9- 10 é claramente da festa das Tendas, a festa judaica que celebra a memória do tempo do deserto e renova a esperança messiânica. A comunidade joanina transforma o texto do profeta Zacarias. Onde está escrito: “Alegra-te...”, a comunidade reescreve: “Não temas...”... Talvez não seja mesmo tempo de alegrar-se. Já é muito não ceder ao medo.  É o único evangelista que detalha: o povo pegou ramos de palmeiras... Ramos de palmeiras tinham sido usados por Judas Macabeu no anos 180 antes de Cristo para purificar o templo e proclamar a libertação dos opressores sírios. Ao pegar de novo agora ramos de palmeiras, o povo retomava um rito da festa das Tendas, mas, ao mesmo tempo parecia ver em Jesus um novo Macabeu que lidera a libertação nova que se faz necessária.... E Jesus entra nesse clima e permite toda essa manifestação, mesmo consciente do risco e das consequências que depois terá de sofrer...

  Ao reler esse evangelho para o Brasil de hoje, procuro ver nas multidões que nessa sexta feira, 18, foram às ruas contra o golpe esse povo da esperança que volta a se articular e ser capaz de encher as ruas de vermelho... apesar de tudo....

Tomara que o autismo que o poder provoca não reacomode Dilma e Lula nas posições de sempre. Espero, ao menos, que, dessa vez, estejam percebendo a urgência de uma ampla Reforma Políitca. Se, agora, não puderem fazer (já não têm mais os 80% de aprovação que Lula tinha ou os 65% aos quais Dilma chegou), ao menos não deixem de gritar essa urgência e que preparemos isso para o próximo Congresso que, eleito sem financiamento das empresas, certamente poderá ser melhor.

Também imagino que estejam percebendo que não valeu a pena tentar ser amigos dos donos da Folha, da família Marinho et caterva... Se, dessa vez, não apoiarem um processo de democratização dos meios de comunicação e não se esforçarem por aprimorar uma Rede de comunicação popular, merecem o que estão sofrendo. Quem não merece é o povo e somos nós... Sei que não é fácil e imagino que não basta quererem, mas espero que, ao menos, digam e expressem um projeto... que seria amadurecido em discussões e debates por toda a sociedade.

Do lado nosso, é hora de retomar as bases. O texto do evangelho de João tem uma profunda alusão à purificação do templo e ao esvaziamento da religião oficial. Isso me recorda o apelo do irmão Roger Schutz na época do Concílio de Jovens em Taizé (1972): “Que a nossa Igreja se torne pascal, isso é, pobre e despojada de todo poder temporal, aberta a tal ponto que se torne espaço de comunhão para toda humanidade e aí sim ela será libertadora”.

As pequenas ou maiores procissões de Ramos que as comunidades farão nesse domingo precisam ser símbolo de toda caminhada pela vida, pela liberdade e pela justiça, como a daquelas mulheres, amigas de Jesus que, na madrugada do domingo da ressurreição, corriam ao túmulo vazio. Aparentemente, estavam à margem do “realismo” da história. Em cada celebração da Páscoa, revivemos essa experiência das primeiras testemunhas da fé. Façamos, então, uma espécie de agenda pascal – o que percebemos ser necessário mudar em nossa vida, tanto no plano pessoal, quanto em nossas relações e na vida social. Alimentamo-nos de esperança e proclamamos que, como dizia Dom Helder Camara, há mil razões para viver e para lutar.

Marcelo Barros

Camaragibe, Pernambuco, Brazil

Sou monge beneditino, chamado a trabalhar pela unidade das Igrejas e das tradições religiosas. Adoro os movimentos populares e especialmente o MST. Gosto de escrever e de me comunicar.

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