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Meditação do evangelho do domingo, 10 de julho 2016

 Verbo se fez WhatsApp

Texto elaborado a partir das partilhas diárias do Círculo Bíblico Ecumênco via WhatsApp. O grupo é composto predominantemente por jovens e por várias pessoas ligadas às suas causas - mães, pais, agentes de pastoral, religiosas,pastores, padres.

O Bom Samaritano - Lucas 10, 25-37

Da vida ao texto

Em nosso cotidiano, são inúmeras os desafios que se colocam para nós. Religião não é coisa fácil de se praticar e, no entanto, necessitamos dela para dar algum sentido à vida. O texto de Lucas coloca para nós o desafio de se viver a religião. Como seres humanos precisamos de rituais que simbolizem nossa ligação com Deus, mas, a ligação não pode passar somente pelo ritual. A religião exige de nós posturas éticas. Esse é o desafio de Jesus para as mulheres e homens de hoje: o que nossa fé nos leva a fazer? Passar ao largo do outro que caiu pelo Caminho ou parar, resgatar, curar as feridas? 

As pessoas que estão pelo Caminho podem ser os LGBTs (lésbicas, gays, bissexuais, travestis, transexuais e transgêneros) que são excluídos por nossa maneira moralista de enxergar a sexualidade humana, os pobres, os negros, indígenas e ribeirinhos que, mais que categoria sociológica, são pessoas colocadas à margem do progresso e do Estado Democrático de Direito; as mulheres e crianças que são marginalizados pela cultura machista; os sem terra, sem teto, sem escola e sem saúde que têm seus direitos fundamentais negligenciados ou negados; as pessoas que padecem de angústias que o ter não são capazes de resolver ou curar.

Mas há também a atitude daqueles que, em nome da santidade, da moral e dos bons costumes, renunciam à sua vocação de servir ao outro que padece pelo caminho e tornam-se opressores ao invés de libertar: são bispos, pastores, padres que se vestem de ricos brocados de ouro enquanto o povo passa fome; agentes de pastoral, obreiros e pessoas religiosas que, nesse mesmo nome julgam ou passam ao largo do outro para cumprir seus compromissos pastorais; ou  nós mesmos quando negligenciamos nossa vocação cristã de amar. Os agentes políticos religiosos que, em nome da manutenção da ordem, se unem aos vendedores de armas e exploradores da natureza. Ou seja, todos nós que colocamos os dogmas, as morais, o culto e negligenciamos o amor e a misericórdia para com o outro.

O texto de Lucas nos provoca. Jesus em atitude profética questiona a sinceridade de nossa fé.

O Texto

Jesus inverteu a pergunta do professor de Bíblia. O homem queria saber: quem é meu próximo? Jesus não respondeu a isso. Respondeu: Quem foi o próximo da pessoa ferida?

Enquanto eu perguntar "quem é meu próximo?" eu estou me colocando como centro da história. O importante sou eu. Quando Jesus me responde, ele coloca qual é a questão fundamental: "Eu sou próximo de quem? O problema não é saber quem é meu próximo e sim saber: de quem eu sou próximo. Gustavo Gutierrez dizia: “A questão é que o próximo não é a pessoa que entra na minha estrada, mas a pessoa em cuja estrada eu me encontro”. É uma reviravolta na perspectiva. E não se trata apenas de uma esmola ou uma ajuda feita de longe. O texto diz que o samaritano teve suas entranhas revolvidas de compaixão para com o ferido. O verbo grego usado para “se compadeceu” é splanklinizein e pode ser traduzido assim: as entranhas se moveram dentro dele. É algo sentido e sofrido. 

O problema social e político atual é que não se trata mais de um ser humano ferido, mas de mais de um bilhão de seres humanos que estão na linha da pobreza extrema por causa do tipo de organização social que os poderosos dão a este mundo e que rouba e expolia os que são empobrecidos. Então, neste contexto, a prática da solidariedade incondicional tem de tomar a expressão de uma luta coletiva para mudar essas estruturas injustas do mundo. Podemos dizer que essa prática da solidariedade incondicional seja a quem for, tanto no nível da pessoa carente, como das comunidades era uma característica do Cristianismo primitivo. Ser cristão é ser solidário. 

O termo samaritano quer dizer guardião ou diríamos hoje curador, a pessoa que tem cuidado com o outro. (Orígenes, Hom Luc 34, 3 – 9).  A vocação da Igreja é ser uma Igreja samaritana, no sentido dessa parábola. Samaritana com as pessoas e também com os povos oprimidos. Nós temos de ser samaritanos (cuidadores) uns dos outros. 

Essa parábola foi fundamental na história das Igrejas latino-americanas. Se ela é colocada como continuidade e conseqüência do envio que Jesus faz aos discípulas e discípulos no evangelho de Lucas (capítulo 10), significa que o serviço da solidariedade, assim como o engajamento social e político, não são elementos bons, mas de certo modo, além da fé ou da missão. De modo algum. Representam a própria alma da missão. 

Do Texto à Vida

Jesus era um ser humano de muitas provocações. Ele costumava ir ao coração da questão, ao coração do ser humano e ao coração da religião. Nesse texto, ele questiona profundamente nossa maneira de ser, pensar e agir religiosos. Talvez a provocação que ele quer fazer a nós é que misericórdia tem que deixar de ser substantivo, uma ideia, e passar a ser um verbo, uma ação concreta.

A atitude religiosa, que identifica a nossa fé cristã é  a de misericordiar o mundo. Dar o nosso coração, o centro de nosso ser, a entranha que se nos revolve, ao caído que vemos pelo caminho. Sair de uma dogmática fechada, de uma moralidade conservadora, desencarnada, e ir ao encontro daqueles que são desprezados pela nossa sociedade atual. A boa prática religiosa não pode se desvincular do cuidado com o outro, com a cura de suas feridas existenciais e sociais. Ir e fazer a mesma coisa que o Samaritano (pessoa que os judeus da judeia consideravam menos religiosas) é o coração da religião.

O culto cristão, os trabalhos pastorais não podem ser um empecilho e nem se opor a uma vida aberta aos que estão pelo caminho, aos que sofreram assaltos à sua dignidade de filhas e filhos de Deus.

Comprometer-se com a libertação dos que estão pelo caminho, questionar a ordem excludente, acolher os que são colocados à parte e fazê-los tomar parte na mesma mesa da vida boa, do Reino. Mais que palavras, atitudes e misericordiar o mundo e a vida. Onde reina o amor, aí está Deus. Onde se cuida do outro, aí o culto santo a Deus, para além dos rituais e das morais.

Marcelo Barros

Camaragibe, Pernambuco, Brazil

Sou monge beneditino, chamado a trabalhar pela unidade das Igrejas e das tradições religiosas. Adoro os movimentos populares e especialmente o MST. Gosto de escrever e de me comunicar.

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