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O projeto divino vem de qualquer maneira

                  Hoje, quase todos os comentários do evangelho que se leem na internet ou se escutam nos cultos católicos e evangélicos partem de um princípio válido e justo que é a interpretação dada pela comunidade de Mateus pelos anos 80 quando esse evangelho teria sido escrito. A comunidade leu a parábola de Jesus como uma alegoria que liga o fazendeiro com Deus ou com Jesus, o inimigo que semeou o joio como sendo o diabo e os empregados como os apóstolos e missionários. 

                   Desculpem meus irmãos e irmãs que hoje interpretam esse evangelho mantendo essa alegoria, mas confesso que tenho muita dificuldade em aceitar essa palavra dessa forma. Acho que, no mundo atual, apresentar Deus como um fazendeiro - um senhor dono de terras e dono de escravos - me parece um problema sério. Além disso, ver as pessoas como divididas em pessoas boas e más, também... Lembro-me de quando criança e ouvia esse evangelho na Igreja, geralmente o padre acabava falando do trigo e do joio que todos nós temos dentro de nós mesmos (mas outra alegorização e dessa vez moralizante). Sem falar no final da parábola que fala do fogo e logo os pregadores falam do inferno.... 

                  Não quero forçar nada nem quero convencer ninguém da minha interpretação, mas desde que, nos anos 90, aprendi com estudiosos da época de Jesus (como John Crossan e Gert Theissein) que as parábolas do reino foram ditas por Jesus em um contexto de crise, redescobri outra chave de leitura. Descobri que Jesus contou essas parábolas não para legitimar o sistema do mundo (defender o melhor para o dono da terra) e sim para dizer que o reino de Deus vem bagunçar tudo. No meu livro "Conversa com o evangelho de Mateus" (Ed. Santuário), sustento que quando Jesus disse a parábola, muito provavelmente, o que ele queria dizer é que  o evangelho é como o joio semeado para atrapalhar a plantação do homem rico. É como o joio semeado clandestinamente mas que ninguém consegue tirar (senão mata também o trigo). A semente de mostarda é uma praga - pegou ninguém consegue arrancar. 

                     Para mim, no contexto atual do Brasil e do mundo, é consolador ouvir de Jesus que seja como for, mesmo contrariamente a todas as aparências e todas as possibilidades, seja como for, o reino de Deus está semeado e vai frutificar e vai transformar esse mundo... 

                     Compreendo que a Igreja primitiva mudou radicalmente o sentido da parábola. Aliás vivendo um momento de perseguição, não podiam mesmo comparar o evangelho com os inimigos do senhor da terra que semeiam o joio. Fizeram bem em mudar o sentido da parábola, (toda palavra de Deus é sempre tão rica que pode sempre ser reinterpretada e atualizada, graças a Deus), mas para mim é bom voltar ao que provavelmente (não podemos ter certeza nem há dogma nisso) Jesus falou. 

                     Isso nos convida para abrir os olhos e mesmo no meio de tantos problemas e tantos desatinos, ver o reino de Deus florescendo e sendo semeado no meio de nós e no mundo atual.  

Marcelo Barros

Camaragibe, Pernambuco, Brazil

Sou monge beneditino, chamado a trabalhar pela unidade das Igrejas e das tradições religiosas. Adoro os movimentos populares e especialmente o MST. Gosto de escrever e de me comunicar.

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