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​4ª feira de Cinzas

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Querida irmãzinha,  querido irmãozinho, 

Esta carta é para você, porque sei que você se sente insatisfeita/o só com o dia a dia e deseja viver algo inesperado e novo. Se você atende a essa insatisfação e permanece na busca de algo mais profundo e radical, você está no caminho da Mística profética e pascal. Nestas linhas, convido você a nos juntarmos para aprofundá-la mais neste tempo de Quaresma- Páscoa.  

Sobre este momento, a canção do Zé Vicente, inspirada em uma palavra do apóstolo Paulo, diz: “Eis o tempo de graça, eis o dia da libertação”. Um antigo cântico de Quaresma dizia: “Eis o tempo de conversão, eis o dia da salvação”.  

Até o século IV ou V, a Quaresma era o tempo da intensificação do catecumenato batismal. Neste tempo, irmãos e irmãs adultos ou adolescentes da comunidade se preparavam para receberem o Batismo na Vigília Pascal. E todos/as comunidade se envolviam neste processo, que era de intensificação dos encontros comunitários, mas também de um processo de aprofundamento pessoal como tempo de retiro individual, no qual se deviam aprofundar as motivações mais profundas da nossa missão batismal no mundo e como podemos nos deixar conduzir mais pelo Espírito de Deus. 

Infelizmente, ao se tornar Cristandade de massa, a Igreja abandonou a prática comunitária do Catecumenato. Há algumas décadas, depois do Concílio Vaticano II, se criou na Espanha e se espalhou pelo mundo o Movimento do Neocatecumenato que tem o bom pressuposto de retomar a espiritualidade pascal do Catecumenato e atualizá-lo para hoje, mas, lamentavelmente, ainda organizado em uma Igreja no modelo de Cristandade clerical, que parece legitimar políticas autoritárias de direita.  

Quanto a nós, para mantermos esse fogo do amor e da radicalidade profética da fé bem aceso dentro de nós, precisamos sim do encantamento próprio da celebração anual da Páscoa. Ela é como um símbolo de toda a nossa vida que quer passar como uma vigília da escuridão da noite ao novo dia da luz e da ressurreição.    

Em mosteiros e em algumas comunidades eclesiais se mantém um costume:  no começo da Quaresma, cada pessoa escreve uma palavra de compromisso que se propõe a viver de novo e mais profundo, a partir deste processo quaresmal. Nesse espírito, convido você a fazer nestes dias um propósito novo de vida pascal.

 Todos/as nós ainda temos em nossa vida, aspectos que são como regiões escuras, nas quais parece que a luz do evangelho não chegou. Tente identificar ao menos alguma dessas zonas escuras e acenda sobre ela a luz da opção evangélica. Deus aceita você como é. Aceite-se também mais profundamente e saiba que seus irmãos e irmãs se colocam com você neste caminho da conversão pascal. Verifique que aspectos de sua vida ainda são dominados pelo individualismo e procure ver como passar à sensibilidade e à opção comunitária.  

Para se fortalecer neste caminho do Cristo, não imagine que você já sabe, ou que não precisa mais de aprofundamento. Isso acomoda você em certa mediocridade de vida. Confie na força sempre renovadora do Evangelho e diariamente aceite beber desta fonte que lhe dará alegria e força de renovação interior e comunitária. 

 Neste Brasil ainda tomado pela pandemia, devorado pela necropolítica de direita e racista, principalmente neste ano de eleições, você é chamado/a abrir caminhos de esperança. 

Medite e conclua se você concorda em assumirmos juntos esses três compromissos: 

1º - Partilhar o gosto de viver com as pessoas que estão à nossa volta (há muita gente que está perdendo o gosto de viver). 

2º - Comprometer-se com o Diálogo como missão (Diálogo da fé, diálogo intergeracional, diálogo político). 

3 – Construir em torno de nós o Bem-viver e o Bem-conviver no cuidado com a mãe Terra e uns(umas) com os outros/as.  

Nestes dias, junto com irmãos e irmãs da Comunidade Bremen, meditei um texto de Santo Agostinho que, no século IV, comentava o salmo 36 e ensinava: “A tua oração mais profunda depende do teu desejo. Teu desejo é a tua oração. Se o desejo que tens do projeto divino é contínuo, também a tua oração é contínua. Não foi em vão que o apóstolo Paulo disse: Orai sem cessar (1Ts 5,17). Mesmo que estejas trabalhando e fazendo qualquer coisa, se desejas a intimidade com Deus e a sintonia com o seu projeto, não cessas de orar. Se não queres cessar de orar, não cesses de desejar”

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Marcelo Barros

Camaragibe, Pernambuco, Brazil

Sou monge beneditino, chamado a trabalhar pela unidade das Igrejas e das tradições religiosas. Adoro os movimentos populares e especialmente o MST. Gosto de escrever e de me comunicar.

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