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A água nossa nos dai hoje

                              A verdadeira espiritualidade vai além do religioso e se revela em uma atitude de amor para com todas as criaturas. O universo inteiro é um imenso altar, no qual podemos contemplar a presença de Deus. Nas religiões como o Judaísmo, o Cristianismo e o Islã, por diversas razões históricas, esta espiritualidade ecológica ainda não ganhou toda a sua potencialidade. Quando, no Brasil, há alguns anos, um bispo neopentecostal chutou uma imagem de Nossa Senhora Aparecida, houve protestos de bispos, padres e de muitos católicos. No entanto, a cada ano, os fazendeiros queimam grande parte da Floresta Amazônica para convertê-la em pasto. Poucos católicos ainda veem nisso uma profanação de algo sagrado. No Brasil, quase todos os rios estão poluídos e com suas águas diminuídas, por causa da ação predadora da sociedade. Isso é um sacrilégio tão grave quanto o desrespeito ao sacramento do altar. Somente em tempos recentes, depois que o papa Francisco escreveu a encíclica Laudatum sii sobre a Ecologia Integral, as comunidades cristãs passaram a ligar mais Ecologia e Espiritualidade.

Na América Latina, grandes empresas agrícolas destroem imensas regiões de floresta para plantar soja. Jogam agrotóxicos que poluem a terra e envenenam os rios. Ameaçam a vida de grupos indígenas, matam os passarinhos e animais que vêm beber daquela água.

Mesmo cristãos que aderem aos valores ecológicos ainda têm dificuldade de ver o cuidado com a terra e as águas como essencial à relação com Deus e com a criação. A piedade católica tradicional considera o pão como sacramental, pelo fato de que Jesus fez do pão sacramento do seu corpo. Como seria bom que esse mesmo respeito reverencial fosse também desenvolvido em relação à água, à terra e à vida de todos os seres do universo, principalmente à vida humana.

Atualmente, há uma crise mundial de água. Vários povos vivem um stress hídrico e dezenas de conflitos internacionais têm a água como elemento provocador. O não acesso à posse democrática da terra, assim como o uso que se faz da água revela o caráter injusto e predatório do sistema econômico mundial. Desafia às Igrejas e comunidades a transformar essa realidade para podermos viver uma espiritualidade verdadeiramente ecumênica e ecológica. 

Por causa do dia internacional da Água, comemorado pela ONU, a cada 22 de março, nesses dias, ocorre em Brasília, um Fórum Mundial da Água. Nesse evento, a participação é restrita a governos e empresas multinacionais. Por isso, movimentos sociais do mundo inteiro e entidades da sociedade civil realizam na mesma cidade o Fórum Alternativo Mundial da Água. Desse, participam também organismos de Igrejas como o CONIC (Conselho Nacional de Igrejas Cristãs) e o Fórum Mudanças Climáticas e Justiça Social, organismo ligado à CNBB.

Nesse fórum alternativo, se escutam representantes de comunidades tradicionais, como grupos indígenas e remanescentes de Quilombos. Falam ribeirinhos, atingidos pelos grandes projetos agropecuários, que ameaçam suas vidas e as águas dos nossos rios, lagos e aquíferos. É uma realidade mundial, mas no Brasil, ela toma um caráter urgente. Em várias regiões do país, principalmente nas grandes cidades, já se sente a escassez da água. Os cientistas denunciam a causa: ruptura do ciclo das águas brasileiras, que tem sua origem em grande parte na Amazônia e seu depósito fundamental no Cerrado Brasileiro. Com o desmatamento, a Amazônia perde a força de bombear água para o Sul e Sudeste e, pela compactação do solo, o Cerrado não consegue mais reter água subterrânea.  Nas cidades, o asfalto impede que a água da chuva penetre no subsolo e as fontes de água subterrânea não se renovam.

Além disso, empresas internacionais tratam a água como mercadoria e a mercantilizam como propriedade privada. A Coca-cola e a Nestlé já compraram todas as fontes de água de algumas cidades do Circuito das Águas de Minas Gerais. Atualmente, elas lucram mais com a venda de água do que do refrigerante ou do leite que as tornaram famosas.  No Fórum Alternativo Mundial da Água, os/as participantes estão de acordo em pedir à ONU que proclame a água como bem comum e direito universal de todo ser vivente. A água deve ser gratuita e precisa ser protegida como bem comum de toda humanidade. Ninguém deveria pagar pela água que bebe ou da qual precisa para viver. É preciso acabar com o desmatamento e proteger as nascentes de água como garantia para o futuro da vida. Em todo o mundo atual há mais de um bilhão de pessoas sem acesso à água limpa e potável. É preciso impedir que a água continue sendo motivo de guerra e conflitos entre povos e grupos humanos.

Aos cristãos, o Evangelho nos convida a contemplar na água um sacramento divino. Em toda fonte de água, é o próprio Espírito Santo de Amor que se manifesta e nos revela ali sua ternura pelo universo. 

Marcelo Barros

Camaragibe, Pernambuco, Brazil

Sou monge beneditino, chamado a trabalhar pela unidade das Igrejas e das tradições religiosas. Adoro os movimentos populares e especialmente o MST. Gosto de escrever e de me comunicar.

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