A alegria do Advento na contramão do mundo
Chegamos ao terceiro domingo do Advento e assim iniciamos a segunda parte deste tempo litúrgico. A celebração de hoje é marcada pelo cântico de entrada, inspirado na palavra do apóstolo Paulo: “Alegrai-vos”. É o domingo no qual a espera se torna alegria por causa da proximidade da vinda do reino de Deus, representado pelo Cristo. Alegremo-nos por ser testemunhas de uma fé profética e de uma espiritualidade libertadora.
O evangelho (João 1, 6- 8 e 19 – 28) nos apresenta o testemunho de João Batista, só que não mais como precursor do Cristo (como fazem os outros evangelhos). O prólogo do quarto evangelho diz: “Houve um homem enviado por Deus. O seu nome era João e ele veio como testemunha”.
Quando no final do século I, a comunidade do discípulo amado escreveu este evangelho e até hoje, está em curso um julgamento. Estão em votação dois projetos para a organização do mundo. Um é o projeto da sociedade dominante e outro, o projeto da Vida, da comunicação da Palavra que gera Amor. Talvez mais do que nunca, este projeto precisa de testemunhas. Conforme o evangelho, o processo contra o projeto divino não é levantado pelo império ou por ateus. Quem manda a comissão de inquérito para investigar o profeta são os sacerdotes e fariseus, portanto, o poder religioso.
Os dirigentes da religião mandam de Jerusalém uma delegação para interrogar João Batista sobre sua missão. Os religiosos sabem que a função do Messias (do Cristo) quando vier será reformar as estruturas e mudar as leis. Por isso, se inquietam. João Batista atua do outro lado do Jordão. Portanto, fora da jurisdição dos religiosos de Jerusalém. Mas, para eles, isso pouco importa. Mandam a delegação. Provavelmente, naquele grupo, foram alguns policiais do templo. Se João confessasse ser o Cristo, eles o prenderiam. Mas, João diz: “Eu não sou o Cristo”.
Então, eles perguntam: Quem é você? O que você diz de si mesmo? João responde sem nem usar verbo: “Eu, uma voz no deserto”. Os fariseus querem saber com que autoridade ele batiza”. Até hoje, é assim, há os que se sentem proprietários da religião e dos ritos. João explica que batiza com água, mas vem alguém que nos mergulhará no Espírito de Deus. E afirma: “No meio de vós, está alguém que não conheceis”. Até hoje, a fé profética de João Batista diz isso à religião que, mesmo no seio das nossas Igrejas cristãs, continua o modelo de religião do templo. O profeta João insiste que não basta conhecer ritos e leis. É preciso reconhecer o Cristo no meio de nós: o Jesus da gente, com rosto de negro, sangue de índio e corpo de mulher. Nas Igrejas cristãs, hoje, quantos o reconhecem assim?
Como João Batista, somos testemunhas de um Cristo que está no meio de nós e não o conhecemos. Vocês lembram de um cântico que as comunidades eclesiais de base cantavam muito nos anos 70: Entre nós está e não o conhecemos... Seu nome é Jesus Cristo e passa fome...
Conforme vários estudos nestas eleições quem garantiu a vitória da direita nas prefeituras, ao menos de São Paulo e Recife foi o voto de evangélicos (pentecostais) e católicos tradicionalistas. Que testemunho esse fato dá sobre quem é Jesus e de que lado está Deus neste mundo. Ou será que não está de lado nenhum?
O apelo do evangelho de hoje é para que sejamos testemunhas da Palavra que se faz carne na vida do nosso povo e que este Natal vem recordar. Todos nós precisamos de uma causa última pela qual viver, um projeto ao qual nos consagramos totalmente. E para viver isso, precisamos ser capazes de autotranscendência, isso é, de viver para além de nós mesmos, de nossos impulsos, caprichos e desejos do momento. Isso não quer dizer negar ou rejeitar os desejos e prazeres, mas ser capazes de dar a eles uma dimensão de transcendência, ou seja, de permanente abertura e capacidade de evolução. É neste sentido que Pedro Casaldáliga afirmava que as nossas causas são mais importantes do que a nossa vida.
É esta a nossa fé no reino. É o que nos faz cantar com Zé Vicente:
Eu vou cantar
Quando o povo nas ruas sorrir E a roseira de novo florir
Eu vou cantar
Quando as cercas cairem no chão Quando as mesas se encherem de pão
Eu vou cantar
Quando os muros que cercam os jardins, destruídos Então os jasmins vão perfurmar
No olhar da gente a certeza de irmãos Reinado do povo