Ascensão nossa e do universo com o Cristo
O contexto é estranho porque os onze discípulos – voltam para a Galileia – voltam para a sua região – voltam para o meio dos pobres, onde a missão de Jesus tinha começado. No monte da Galileia no qual Jesus tinha feito o seu primeiro discurso e nos dado as bem-aventuranças, ali ele vai se revelar de novo. O evangelho sublinha que apesar de ter ido ao monte que o Senhor lhes indicara, eles duvidavam. Duvidavam de que? Duvidavam de quem? Se duvidavam, por que, então, estavam ali?
A impressão é de que aqueles onze representam a comunidade de Mateus já nos anos 80, dividida com muitas dúvidas. O evangelho a chama para voltar às bases e escutar de novo Jesus ressuscitado. Por que Jesus não se detém sobre as dúvidas deles, antes de lhes dar a missão? Nada. Nenhuma palavra, como se o fato deles duvidarem não tivesse importância. A fé não se opõe às dúvidas. A gente pode ter todas as dúvidas que quiser. A fé não se opõe às dúvidas e sim à indiferença e à frieza. Dúvidas, a gente pode ter.
1 - Jesus lhes faz a revelação: Toda autoridade (exousia) me foi dada (pelo Pai). O termo grego é diferente de poder (doxa). Autoridade é algo mais interno e inerente à pessoa e é em relação. Mais do que poder, um médico tem autoridade em matéria de saúde. Um militar tem poder. Alguém que tem força física tem poder. Uma mãe tem autoridade. É em função desta autoridade que vem o chamado ao compromisso: “Então, se é assim, vão....”.
2 – O envio em missão. Quem de nós escutou essa palavra de compromisso? No mundo atual, emprego compromete profissionalmente. Entretanto, no plano social e espiritual, muitas pessoas participam de grupos. Pertencem a coletivos... Dão o seu nome, mas quase sempre, as pessoas dizem: “sou do grupo na medida do possível, ou seja, quando quero ou melhor quando sentir necessidade”... Não há exatamente adesão de compromisso. Jesus lidou com um grupo frágil, medroso, no qual todos duvidavam dele e do projeto que ele propôs (o reinado divino acontecendo no mundo) e entretanto ele passou por cima de tudo e os mandou como compromissados. Vão fazer discípulos e discípulas em todas as nações...
Há quem entenda isso como missão religiosa, ou seja, conquistem todo mundo para a Igreja Católica, ou para Igrejas evangélicas. Se fosse assim, Jesus não teria proposto uma missão e sim uma campanha de proselitismo e de conquista colonialista, como tantas vezes, na história e até hoje, as Igrejas têm feito. É importante repetir: Jesus não fundou religião. Nem o projeto divino é Igreja. A Igreja tem sentido se se colocar como instrumento deste projeto maior: o reinado divino no mundo, ou seja, tornar o mundo uma terra de amor compassivo, justiça solidária, libertação de todos/as e cuidado universal. Quando Jesus fala em batizar, as pessoas logo imaginam a pia de água benta ou o rio onde padre ou pastor batiza. De batismo, o que Jesus conhecia tinha sido o mergulho no Jordão nos tempos de João Batista. E como o grego batizar significa mergulhar, o que ele está falando não é de apenas um rito e sim da realidade que está por trás do gesto. Através daqueles onze, Jesus manda discípulos e discípulas mergulharem as pessoas de todas as nações e culturas no projeto do reino de Deus que ele tinha ensinado e trazido para o mundo. “Ensinai-lhes a observar tudo o que vos tenho mandado”. Nestes dias, o evangelho de João que ouvimos nestes domingos anteriores nos dizia: O que eu lhes tenho mandado é que se amem uns aos outros, como eu amo vocês”.
Este é o envio e aí vem a promessa: “Estou com vocês todos os dias até o fim dos tempos”
3 – A promessa.
O evangelho começa com o Anjo dizendo a José: O menino que vai nascer se chamará Emanuel, que significa Deus conosco. Agora a última frase é Estou com vocês todos os dias. Através do Espírito, estou em vocês. A Igreja continua usando esta imagem de Ascensão. O evangelho de Mateus não usa esta expressão que vem de Lucas. O evangelho de João fala em exaltação ou assimilação de Jesus pelo Pai. (Eu estou no Pai e o Pai está em mim). Nas ciências atuais, como a Cosmologia e a Física Quântica, muitos/as estudiosos/as têm confirmado que o universo é semelhante a um grande organismo vivo que a cada instante evolui e à medida que se expande, cresce e este crescimento leva ao mesmo tempo a uma convergência. Já nos anos 50, Theillard de Chardin chamava esse ponto de convergência “Ponto Ômega”. E via nisso o que o apóstolo Paulo chama de “Cristo cósmico”, presença divina que, através do Espírito fecunda de amor o universo e dá vitória a todos os nossos projetos humanos.
Nesta semana, vamos curtir esta esperança de nos deixar invadir totalmente pela presença do Espírito que celebramos no próximo domingo em Pentecostes. Vamos nos preparar para esta festa, nos unindo pela oração à Semana de orações pela Unidade dos cristãos. Neste ano de 2020, o tema proposto para a Semana é “Gentileza gera gentileza”, palavra inspirada no livro dos Atos dos Apóstolos. Este tema nos guia para fazer com que todas as nossas atividades e iniciativas sejam impregnadas de gentileza e hospitalidade interior, uns para com os outros, como Igreja e em relação a outras religiões e toda a humanidade.