X Domingo Comum - Mt 9, 9 - 13.
Na sociedade daquele tempo, as refeições eram expressões importantes de relações sociais. Atualmente, se come em praça de alimentação de shoppings ou em restaurante de comida rápida (fast food). Come-se em pé ou em balcão, sozinho ou acompanhado. Comer se torna rotina necessária à sobrevivência. Nas cidades, para quem trabalha no comércio, não tem outro jeito. Mesmo em casa, quantas vezes, as pessoas fazem o prato na mesa e vão comer diante da televisão, para não perder o jornal, o jogo, ou a novela. E as pessoas acham isso normal..
Nas sociedades tradicionais, a refeição era sinal de pertencer ao mesmo grupo. Comer com pessoas de outro grupo social ou com alguém que a sociedade considerava pecador/a era muito grave. Era isso que Jesus fazia: comer com marginais, pecadores e gente de má fama. De toda a vida de Jesus, essa atitude foi a que mais escandalizou aos “bem-pensantes”.
Os religiosos e pessoas importantes da sociedade já estranharam o fato de Jesus ter chamado para o grupo dos seus discípulos pessoas como os pescadores, Pedro e André, Tiago e João. Mais ainda estranho ele ter chamado para ser discípulo Simão, o Zelota, que era de um grupo contra os romanos. Isso provocava temor, mas ao mesmo tempo admiração das pessoas. No entanto, provavelmente, o que mais chocou a sociedade e os religiosos foi ele ter chamado para ser discípulo um cobrador de impostos. Os publicanos eram odiados por serem colaboradores dos romanos na coleta de impostos e nas informações sobre as pessoas. Os publicanos cobravam os impostos dos pobres que faziam o pequeno comércio. Este imposto era para garantir as estruturas de dominação do império: estradas, pontes, postos de vigilância. E os romanos exigiam impostos pesados. O que os publicanos coletavam a mais ia para o próprio bolso. Por isso, eram considerados como corruptos e desonestos. Eram odiados especialmente pelos religiosos. Nenhum rabino ou mestre aceitaria um publicano como discípulo. Jesus não somente chamou Mateus para ser discípulo, como fez com ele o que os evangelhos não dizem ter feito com nenhum dos outros apóstolos: foi jantar na casa dele e aceitou a companhia de muitos colegas de trabalho de Mateus.
O evangelho de hoje diz que Jesus, ao passar, viu Mateus no posto de coletoria de impostos e o chamou. Ao passar de onde para onde? Cafarnaum tinha sido um lugar de pessoas socialmente marginalizadas e consideradas pecadoras. É neste percurso de inserção junho junto aos marginalizados que Jesus toma a iniciativa de chamar Mateus. Mateus é um nome hebraico que significa "dom de Deus" e o seu nome só aparece nos evangelhos nesta passagem e na lista dos apóstolos no capítulo 10. Jesus chama um rapaz considerado publicamente pecador para ser discípulo e janta em sua casa e com seus companheiros de pecado. Quase ninguém percebe que, ao chamar Mateus para abandonar o trabalho de coletor de impostos dos romanos, Jesus está deslegitimando o império a partir de uma de suas bases mais importantes. Os romanos e seus aliados não podiam gostar de ver Jesus tirar um publicano do seu trabalho e afastá-lo do meio deles.
Este evangelho mostra a cena de um jantar do qual Jesus participou. E nesta ceia, recebeu cobradores de impostos, pecadores e gente considerada de vida errada. Até hoje, muitas vezes, as nossas Igrejas se comportam de forma contrária a Jesus. Se um homem ou mulher vive uma situação de casamento que a lei da Igreja considera irregular, não pode ter funções na comunidade. Às vezes, padres e catequistas argumentam que mesmo que eles/elas aceitassem isso, "o povo não entenderia". Jesus nunca teve esse tipo de prudência, quando se tratava de preconceito ou discriminação contra alguém. De acordo com o evangelho, ele mesmo tomou a iniciativa e chamou Mateus. Simplesmente. E este deixou o posto de coletoria e o seguiu. André e Pedro não foram obrigados a deixar definitivamente a pesca. O cobrador de impostos sim. Aqui, Jesus cita um provérbio: “São os doentes que precisam de médico e não os sadios”, um ensinamento bíblico: “Quero a misericórdia e não o sacrifício” e uma aplicação histórica: “Não vim chamar os justos, mas os pecadores”.
Ao insistir na misericórdia, Jesus cita o profeta Oséias (Quero a misericórdia e não o sacrifício) e pede que os judeus voltem à sua tradição mais antiga. Para as comunidades atuais, o desafio que permanece é como retomar a prioridade que Jesus e a mística judaica deram à misericórdia nas nossas relações diárias e na forma de organizar a comunidade. É preciso que a humanidade possa perceber que nossas Igrejas são comunidades de compaixão e misericórdia. Elas não podem ser principalmente instituições de culto, de moral e de disciplina. É preciso que nossas celebrações eucarísticas deixem de primar pelos rituais de poder sagrado do celebrante e sejam sacramentos, isso é, sinais e instrumentos de inclusão social, igualdade e comunhão. Ao chamar o publicano Mateus para ser discípulo, Jesus não justifica ou legitima uma Pastoral que se centre nos ricos. Jesus nos chama a nos inserir, a dialogar com o povo pobre e a usar a compaixão solidária como remédio para curar este mundo.