Marcelo Barros
Em nossos dias, um dos desafios para as Igrejas
cristãs é se abrirem ao diálogo e ao reconhecimento do valor dos cultos de
matriz africana e das espiritualidades dos povos originários. Nas paróquias e
comunidades, um dos temas mais discutidos se refere à integração das pessoas
divorciadas e que vivem segundas núpcias ou ainda gente cujo comportamento
moral não parece de acordo com as orientações da hierarquia. Apesar do papa
Francisco sempre insistir em uma pastoral da acolhida de todos/as, muitos
padres e bispos impõem regras e limites à participação dessas pessoas na
comunidade.
Neste XXVIII domingo comum do ano C, o evangelho lido
(Lc 17, 11- 19) conta que Jesus continua o seu caminho pascal para Jerusalém,
está passando entre a Galileia e a Samaria e, ao entrar em um povoado, lhe vêm
ao encontro dez homens, considerados leprosos e, por isso, isolados da
comunidade. No tempo de Jesus e naquela cultura, o leproso é o exemplo da
pessoa marginalizada. Além de provocar repugnância pela sua aparência e pelo
medo do contágio, o leproso é considerado um pecador, ou seja, excluído do
templo e da sinagoga, como alguém abandonado por Deus (cf. Lev 13-14). A lepra
era considerada como castigo de Deus por causa de algum pecado grave. Por isso,
o leproso devia se afastar de qualquer convívio humano para não contaminar os outros.
Em caso de cura, deveria se apresentar diante de um sacerdote, a fim de que ele
comprovasse a cura e lhe permitisse a reintegração na comunidade (cf. Lev 14).
O evangelho conta que os dez se mantêm ao longe e
gritam: “Jesus, Mestre, tem compaixão de nós!”. O mesmo Jesus que no começo de
sua missão (Lc 5), se aproxima e toca nas pessoas doentes, agora, simplesmente
lhes diz: “Vão se apresentar aos sacerdotes”. Antes, ele se indispôs com
sacerdotes por causa disso. Agora, manda os doentes se apresentarem aos
sacerdotes. Apesar de que eles ainda se sentiam doentes e ainda não tivessem
nenhum sinal de cura, foram e o evangelho diz que, no caminho, se descobriram
curados. O que pode significar isso? que há um processo entre a ação de Jesus e
a consciência de ter sido curado? Seja como for, o que o evangelho sublinha não
é nada disso. É simplesmente que, ao se descobrir curado, um dos dez leprosos
volta a Jesus e este era samaritano.
De fato, historicamente, não teria sentido ele
prosseguir o caminho até os sacerdotes porque ele era de outra religião e, como
samaritano, nem seria aceito no templo. No entanto, para a comunidade de Lucas,
o importante é que um dos dez curados voltou à comunidade de Jesus e este era o
único deles marginalizado por sua raça e por sua religião. Por seu amor
gratuito, Jesus cura dez. Nove se sentem curados e continuam na sua religião e
Jesus os manda ir ao templo. No entanto, um deles volta e este samaritano deve
ser acolhido não somente como pessoa curada, mas como irmão que quer ser da
comunidade.
É possível que este evangelho reflita as dificuldades
de relação e a polêmica que havia no final do primeiro século (quando este
evangelho foi escrito) entre as comunidades cristãs e as sinagogas judaicas. Ao
afirmar que o único que voltou foi o que não estava vinculado ao templo, o
evangelho continua insistindo na gratuidade da salvação. Apesar de que,
possivelmente, esse relato tenha sido contado no contexto da polêmica, não se
trata de opor Cristianismo e Judaísmo, Igreja e Sinagoga. Até hoje, há muitos
pastores e cristãos que se parecem com os nove leprosos curados que ficam
presos ao templo e não voltam para reconhecer que foi Jesus que os curou e não
a religião. Praticam muito o culto, mas não ligam a fé à profecia do amor
libertador. São religiosos/as, mas votam em governos contrários ao projeto do
amor social e da justiça divina. O deus deles e delas é mais contabilista de
empresa do que a fonte de amor e liberdade para todas as criaturas.
Conforme o evangelho, o projeto libertador de Deus é
oferecido a toda pessoa humana e tem como meta nos curar e nos fazer viver como
pessoas felizes e integradas em nossas comunidades. Este projeto diz respeito a
todas as pessoas e é como se Jesus hoje dissesse despretensiosamente: Vão se
apresentar aos sacerdotes, que estes sejam do templo de Jerusalém, do Monte
Garizim na Samaria, ou que sejam Xamãs ou Babalaorixás de nossos cultos
originários. Jesus respeita e reconhece a salvação divina se realizando em
todos/as. No entanto, é alegria quando alguém volta para dar graças a Deus e
Jesus valoriza isso na pessoa do samaritano.
Quando Jesus pergunta pelos outros nove, está se queixando de uma
religião que não dá lugar ao novo que acontece. Muitas vezes, as pessoas que
mergulham nos caminhos do sagrado ou do religioso se deixam tomar por certa
autossuficiência e têm dificuldade de acolher com gratidão a ação divina que
lhes vêm de graça.
Atualmente, uma Igreja que se coloca “em saída”, como
propõe o papa Francisco, vive sua missão nas pastorais de serviço que visam
transformar o mundo e não converter pessoas ou atrair fieis. No entanto, se
alegram em ser comunidade samaritana que inclui as pessoas marginalizadas e
excluídas do mundo que vêm à comunidade para testemunhar a cura e a libertação
que receberam e se tornam testemunhas dessa gratidão que é pura expressão da
gratuidade do amor divino manifestado em Jesus Cristo.