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A coroa de ouro e a coroa de espinhos

A coroa de ouro e a coroa de espinhos

              Nestes dias, os jornais dedicam páginas inteiras a mostrar em detalhes a coração do rei Charles III da Inglaterra. Os meios de comunicação competem na cobertura da cerimônia. Nobres e representantes de governos disputam os lugares de honra na nave da velha abadia. Neste sábado, pela televisão, o mundo inteiro verá a carruagem dourada, puxada por oito cavalos, que, em pleno centro de Londres, conduzirá o rei e a rainha, de volta da cerimônia na Abadia de Westminster para o palácio.

É provável que este encontro da nobreza que se considera de sangue azul e de representantes da elite política e econômica sirva de pretexto para muita gente que adora monarquias  sonhar com um mundo de contos de fada, desde que sejam eles e elas os príncipes e princesas e não os servos da gleba que aplaudem a passagem da carruagem dos nobres. 

Nos países do Sul, ao verem a coroa real e o brilho da carruagem dourada, indígenas e negros podem imaginar que aquele ouro ali concentrado custou o sangue de seus ancestrais escravizados nas minas da América Latina ou África. É o mesmo ouro que provoca doenças e mortes nas comunidades originárias e agora tenta exterminar de vez o povo Yanomami e a Amazônia, ferida por tantos garimpos e sítios de mineração. 

No próprio Reino Unido, alguém poderá se perguntar sobre a legitimidade de usar o dinheiro público dos impostos de uma população, cuja maioria nem é religiosa, com essa cerimônia de luxo que oficializa um chefe de Estado em uma Igreja cristã, transformada em religião civil. 

É possível se perguntar a que ponto chegou o Cristianismo e como  a fé cristã, a mesma do evangelho de Jesus, trocou a coroa de espinhos da cruz de Jesus e dos povos crucificados pela legitimação de uma monarquia, que, como todas as outras, concentra longa história de conquista e colonização que provocou milhões de vítimas em vários continentes.

A cerimônia ocorre em uma liturgia cristã, do mesmo modo que no passado, a Igreja legitimou o poder de outros impérios sangrentos e coloniais e como, hoje, no Brasil, Igrejas mais novas disputam sobre quem  terá mais poder sobre as bancadas do boi e da bala para estabelecer no país o poder de uma Cristandade neopentecostal. 

Essa concepção de Igreja Cristandade é a mesma que faz com que nos meios católicos, a CNBB ainda apareça como se fosse a assembleia de toda a Igreja no Brasil e não apenas uma conferência de bispos. Isso ocorre nas melhores famílias, apesar de que, de acordo com a proposta da Sinodalidade, sobre a qual o papa Francisco tanto insiste, esta (a CNBB) deveria formar, junto com outras instâncias, a Assembleia do Povo de Deus, de comunhão católico-romana em nosso país. Na década de 1990, Dom Luciano Mendes de Almeida convocou por duas ou três vezes uma assembleia dos Organismos do Povo de Deus. Depois dele, isso não teve continuidade. 

O Cristo Ressuscitado nos chama a renunciar às seduções de uma Igreja Cristandade, legitimada pela sociedade dominante e injusta e que arma como set cinematográfico, o palco desta coroação real. No lugar disso, ministros e fieis, assumamos a coroa de espinhos do Cristo, vivida, hoje, pelos povos crucificados, aos quais devemos ajudar a descer da cruz e a ressuscitar para um mundo baseado no bem-viver. 

Marcelo Barros

Camaragibe, Pernambuco, Brazil

Sou monge beneditino, chamado a trabalhar pela unidade das Igrejas e das tradições religiosas. Adoro os movimentos populares e especialmente o MST. Gosto de escrever e de me comunicar.

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