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A descrença de quem crê e a fé de quem não crê

A descrença de quem crê e a fé de quem não crê

Quem crê em qualquer coisa ou não sabe exatamente em que crer, ou não crê em nada de forma profunda”, ensinava um professor de Bíblia. Assim, ele comentava a conclusão da 1ª carta atribuída ao apóstolo João: “Filhinhos/as, cuidado com os ídolos” (1 Jo 5, 21). De fato, no século XVI, em Genebra, o reformador João Calvino repetia sempre: “O ser humano é uma permanente fábrica de ídolos”. 

O termo ídolo vem do grego e significa imagem falsa, que não corresponde ao original. Nestes tempos de publicidade, pessoas famosas pagam agências e profissionais para cuidar de sua imagem. Quem retoca a aparência física e faz cirurgia plástica para mudar algum defeito no rosto não deixa de ser ele ou ela mesma. No entanto, quem se apresenta de modo falso ou diz de si mesmo competências e capacidades que não possui comete o que a lei chama “falsidade ideológica”. 

Nas religiões, o termo ídolo designa imagens não adequadas de Deus. Faz parte da cultura humana fazer imagens físicas ou mentais de tudo aquilo com o qual as pessoas se relacionam. Desde tempos muito antigos, os povos adoravam ao mistério divino nos astros. Outros adoravam animais como o crocodilho do rio Nilo, a serpente na Babilônia, a águia em Roma. Muitas culturas veem Deus nos antepassados. A Bíblia rejeita o bezerro de ouro dos hebreus, mas aceita a serpente de bronze. Esta era uma imagem de Deus que servia para curar as pessoas. A outra as afastava do caminho da unidade e da libertação. Cinco séculos antes de Jesus, na Índia, Buda advertia: “Não confunda a lua com o dedo que aponta a lua”. 

Em todas as épocas, o nome de Deus foi tema de conflito. Até hoje, sempre que podem, impérios usam o nome de Deus para se legitimar. Na Alemanha dos anos 30, Adolf Hitler começou o Nazismo afirmando: “Deus acima de todos”. Muitos grupos e Igrejas cristãs ficaram contentes por ter, finalmente, um presidente que falava em nome de Deus. Ao contrário, pastores como Dietrich Bonhoeffer e outros denunciaram isso. Foram presos e condenados à morte como ateus. Hoje, eles têm seus nomes no livro dos/das mártires da Igreja, porque deram as suas vidas para que o opressor não instrumentalizasse o nome de Deus a seu proveito. 

Hoje, o nome de Deus está nas cédulas de dólar, nas paredes de bancos, nas fachadas de casas de negócio e até em casas de assassinos que, mentindo e servindo aos piores interesses da elite, se apoderam do poder. A eles é preciso dizer Não! E em nome de Deus denunciar a desonestidade de quem usa o nome de Deus para o mal. 

No século VI, Gregório, o bispo de Roma, ensinava: “Existem dois tipos de idolatria: o primeiro é adorar deuses falsos e o outro é pior e mais perigoso: adorar o Deus verdadeiro de maneira falsa”. Isso acontece quando se propaga um deus cruel, insensível ao sofrimento dos pobres e com obsessão em problemas sexuais, como se o corpo e o prazer não tivessem sido criados por Ele.  

 Há quem use o nome de Deus para consolar uma mãe que chora a perda de um filho ou filha, arrancada da vida em plena infância ou juventude. As pessoas costumam dizer: “Deus quis assim”, ou “foi a vontade de Deus”. A mãe poderia perguntar: Que Deus é esse que quer a morte de crianças inocentes?

Alguém compra um carro novo e coloca no vidro um adesivo: “Este carro foi Jesus quem me deu”. Faz isso imaginando estar sendo grato a Jesus. Será? “Que Deus é este que a um de seus filhos dá um presente de consumo capitalista e à maioria das pessoas não dá nem o que comer?”. Depois de um grave acidente aéreo, um passageiro que chegou atrasado e não embarcou no tal voo da morte, afirmou: “Deus me salvou!”. Salvou a ele e deixou morrer mais de cem pessoas...   

A Bíblia é muito sábia ao insistir no mandamento que a tradição cristã traduziu como: “Não pronuncie o nome de Deus”. Em cada celebração pascal, na renovação do batismo, a comunidade cristã é convidada a dizer em que Deus crê. Entretanto, para isso, deve antes deixar claro em qual Deus não crê. É isso que significa atualmente o que, em outros tempos, se denominava renunciar ao demônio e a suas obras. 

Devemos rejeitar as falsas imagens de um Deus que serve para enriquecer Igrejas. Se Deus é Amor e Pai de todos não pode gostar de pastores que, em plena pandemia, querem Igrejas abertas para arrecadar o dízimo dos pobres. Deus não pode servir para  disfarçar a maldade de governantes que destilam ao mundo o seu ódio à humanidade, enquanto gritam: “Deus acima de todos”.  

Em 1943, de uma prisão nazista, em uma carta ao cunhado, enquanto esperava ser executado, o mártir Dietrich Bonhoeffer, pastor e teólogo luterano e grande opositor do Nazismo,  escreveu: 

Deus nos faz viver neste mundo, sem nos servirmos de sua presença. Durante todo o tempo, vivemos diante de Deus e com Deus, mas como se Deus não existisse. Não devemos nos utilizar dele como uma hipótese de trabalho. Desde que criou o mundo, ele deu a suas criaturas e ao ser humano a autonomia de existir. Aceitou se retirar e fica feliz quando nos vê como seres que podem viver e prosseguir por conta própria sem, para tudo, se esconder em seu manto”. 

  

 

Marcelo Barros

Camaragibe, Pernambuco, Brazil

Sou monge beneditino, chamado a trabalhar pela unidade das Igrejas e das tradições religiosas. Adoro os movimentos populares e especialmente o MST. Gosto de escrever e de me comunicar.

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