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A eucaristia somos nós.

         Festa do Corpo e Sangue de Cristo – Jo 6, 51- 59. 

Nesta quinta-feira, a Igreja Católica celebra a festa do Corpo e Sangue de Cristo. Esta festa foi criada em 1264, a partir de uma devoção iniciada na Bélgica. Tinha como principal objetivo responder a hereges que contestavam a presença real. Por isso, desde a Idade Média, nesta festa, se realiza depois da Missa a procissão com o ostensório com a hóstia consagrada. 

Em nossos tempos, o Concílio Vaticano II insistiu que a presença do Cristo na eucaristia é principalmente para ser comida. Deve ser sinal profético de partilha. A comunhão da missa deve ser para suscitar "pão em todas as mesas". A devoção eucarística, criada a partir da Idade Média, não está errada, mas deve ser revista, de modo que o eixo da espiritualidade eucarística volte a ser a ceia do Senhor, como sacramento de partilha e comunhão entre nós e com o universo. 

O evangelho que lemos neste ano (A), João 6, 51- 58 é a palavra que Jesus teria dito na discussão com discípulos e discípulas, ainda presos às leis e rubricas do Judaísmo do templo. É possível que no final do século I, as comunidades cristãs já tivessem caído em certo sacramentalismo litúrgico. Por isso, a comunidade do quarto evangelho preferiu não repetir mais a narração da instituição da eucaristia, contada na carta aos coríntios (1 Cor 11) e em Marcos, Mateus e Lucas. No capítulo 6, o quarto evangelho mostra Jesus discutindo com crentes ainda  presos a um tipo de piedade judaica baseada na lei. A eles e elas, Jesus afirma que só Ele como pessoa e o seu projeto de vida podem servir como alimento e caminho de salvação para as pessoas. Não adianta confiar em ritos, por mais santos que estes sejam. E no capítulo 13 do quarto evangelho, no lugar da instituição da eucaristia, o texto colocado é o de Jesus que, durante a ceia, lava os pés dos discípulos e discípulas.

Para acolher esta Boa Notícia, é preciso descobrir essas palavras de Jesus em um sentido que vai além do que os contemporâneos de Jesus ou os interlocutores da comunidade joanina entenderam. Também vai além daquilo que muitas vezes, é pregado, nesta festa, nos templos católicos do mundo todo.  Conforme o evangelho, os adversários de Jesus que o ouviam se perguntavam o que significava concretamente ele dar-se a si mesmo como alimento e insistir que quem não come a sua carne e não bebe o seu sangue não tem participação em sua vida.


A tradição da Igreja interpretou essas palavras no sentido de que a eucaristia rememora a morte de Jesus como sacrifício e afirma que Jesus se faz presente no pão e no vinho da eucaristia. Segundo essa doutrina, ao nos alimentar do pão consagrado, a pessoa se une a Jesus. Isso provocou uma espécie de individualismo sagrado, no qual cada pessoa recebe Jesus no coração, mas nem sempre se lembra de que a eucaristia é alimento de comunhão. Sem comunidade e sem verdadeira partilha de vida e de bens, não se pode falar em comunhão. Atualmente, interpretamos a paixão de Jesus não como sacrifício ao Pai e sim como testemunho (martírio) do projeto divino no mundo. A partir desta visão, a eucaristia pode retomar o seu caráter de sinal ou sacramento. O sacramento da eucaristia é a comunidade reunida e não mecanicamente o pão e o vinho. 

No século IV, Santo Agostinho ensinava aos novos batizados na noite de Páscoa: “O que vocês veem no altar, o pão e o vinho são sinais (sacramentos) do que nós somos. Nós é que somos o Corpo de Cristo. E o pão e o vinho consagrados representam o que nós somos. Quando vocês vierem comungar e o celebrante disser a cada um: Corpo de Cristo. Vocês respondem Amém ao que vocês são. Vocês são o Corpo de Cristo e o pão é corpo de Cristo para que vocês se comportem como corpo de Cristo. Respondam Amém ao que vocês são: Corpo de Cristo” (Sermão 207). 

Em cada missa, depois de lembrar as palavras de Jesus na ceia, o celebrante diz: Eis o mistério da fé! Esse mistério da fé é visto como sendo o pão e o vinho. No entanto, o pão e o vinho são sinais (sacramentos) que apontam para a comunidade ali reunida para celebrar. É a comunidade que, em cada eucaristia, se torna verdadeiramente Corpo de Cristo...

Conforme os evangelhos, Jesus rompeu com a cultura dominante em sua época. Ele fez de todas a refeições das quais participou uma ceia aberta a todos, seja do seu grupo, seja de outros grupos. E foi acusado de comer com pecadores e gente de vida errada.  A sua última ceia foi tão inclusiva que até o traidor Judas antes de sair no meio da ceia recebeu de Jesus o pão molhado, dado como sinal de carinho privilegiado. 

Ao contrário disso, apesar de todos os esforços do papa Francisco, ainda predomina em nossa Igreja uma espécie de apartheid eucarístico – protestante não pode comungar – gente divorciada ou que vive uma vida moral considerada pela Igreja como irregular não pode comungar e assim por diante... E Jesus disse claramente: Eu vim não para os justos e sim para os pecadores. 

Dom Helder Camara retomava uma palavra de São João Crisóstomo e  dizia: Nós não temos direito de honrar o corpo de Cristo na eucaristia, se não o honramos e cuidamos dele na pessoa dos pobres e dos necessitados que estão em nossas ruas e nas calçadas em frente às nossas casas...

A eucaristia existe para que lutemos por “Pão em todas as mesas, 

da Páscoa nova a certeza:  A festa haverá  e o povo a cantar: Aleluia”.

 

Marcelo Barros

Camaragibe, Pernambuco, Brazil

Sou monge beneditino, chamado a trabalhar pela unidade das Igrejas e das tradições religiosas. Adoro os movimentos populares e especialmente o MST. Gosto de escrever e de me comunicar.

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