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A expectativa que antecipa o que se espera

A expectativa que antecipa o que se espera

                    Neste 1º domingo do Advento, o evangelho lido nas comunidades é Lucas 21, 25- 28 e 34- 36. Iniciamos o novo ano litúrgico, com o evangelho de Lucas que nos acompanhará durante todo este novo ano e começamos a ler este evangelho não por seu início, mas pelo final que ele aponta: a meta da história que desejamos: a realização do projeto divino no mundo. 

A tradição das Igrejas costuma falar em segunda vinda do Cristo (no grego, parusia) ou, em termos mais corretos, a manifestação de sua presença em nós e no mundo. Temos de traduzir isso em nossa cultura. 

Em um mundo dominado pelo pensamento mítico e mágico, era relativamente fácil viver o Advento. A primeira geração cristã acreditava que viviam os últimos momentos da história. O apóstolo Paulo ensinava aos irmãos e irmãs de Corinto: “O tempo abreviou-se. Então, de agora em diante, os que têm mulher vivam como se não tivessem, as pessoas que choram como se não chorassem... porque a figura deste mundo passa” (1 Co 7, 29- 31). E imaginavam para daqui a pouco aquilo que os evangelhos chamam a vinda do Filho do Homem. O que aconteceu foi que a primeira geração cristã morreu e essa expectativa não ocorreu. Assim como, muitas vezes, no decorrer da história, profetas que anunciavam o fim do mundo para o final de cada século ou para determinada data, por eles calculada, erraram em suas previsões. O mundo não acabou. Ao menos, por enquanto, ainda não. 

Provavelmente, a comunidade na qual surgiu o evangelho de Lucas viveu depois dos anos 70 do primeiro século e pertencia à segunda ou mesmo terceira geração cristã. Lucas pode ter sido o único autor do Novo Testamento que não era judeu. Parece que nasceu na Síria (Antioquia) e era ele e sua comunidade de cultura grega. É possível que o seu evangelho tenha surgido na região da Síria ou na Grécia. Neste caso, seria o único escrito europeu do Novo Testamento. A comunidade de Lucas parecia conhecer o evangelho de Marcos e outros documentos sobre Jesus. Sabia da crença das primeiras comunidades de que o reino de Deus viria imediatamente, mas o tempo passava e isso não acontecia, ao menos como era esperado. 

Quando leio esses textos sobre a iminência da vinda do reino, me recordo das nossas passeatas e manifestações nos anos 80, quando íamos às ruas e era muito comum a palavra de ordem: “Povo unido, jamais será vencido”. De golpe em golpe, mantemos a esperança, mas, no imediato muitas vezes perdemos. Mais tarde, em 2015, começou a se armar o golpe contra Dilma e o governo eleito. Gritávamos: Não vai ter golpe. Teve. Mais tarde foi o Ele não! Infelizmente aconteceu. Como manter a esperança e ainda teimar na expectativa de uma vitória que tarda, tarda e tarda? 

Em termos da linguagem de nossa fé cristã, o que significa para nós, hoje, celebrar o Advento a partir de uma consciência histórica e crítica freiriana? Advento de quem, do que e como? 

O evangelho que, hoje, escutamos e partilhamos nos faz olhar de forma mais ampla e profunda. Parece que a figura do Filho do Homem veio do sincretismo da religião cananeia e era comum em todo o Oriente Médio. Traduzia-se no mito de um deus humano que viria reordenar o mundo. Assim, aparece no livro de Daniel 7 do qual um evangelho como esse de hoje parece ter se inspirado. Atualmente, vivemos em um mundo no qual parece que o sol e a lua se abalam e o céu ameaça desabar sobre nossas cabeças, como pensavam os antigos gauleses de Asterix e como temem os Ianomami (lembremos o livro do Davi Kopenawa: A queda do céu). A boa notícia do evangelho é que em meio a tudo isso, acima das nuvens, portanto para além da zona de conflito, aparece a figura de uma humanidade renovada (o filho do Homem originalmente é isso: o homem novo, a mulher nova, representada pelo Cristo Ressuscitado). E essa humanidade nova vem de Deus (vem sobre as nuvens) mas tem como tarefa reanimar as pessoas presas pela desesperança e nos libertar de todas as opressões. O evangelho põe na boca de Jesus a palavra: “Quando virem acontecer essas coisas, se levantem, ergam a cabeça. É a libertação de vocês que se aproxima” (Lc 21, 28).

Essa promessa nos reanima, mas temos de aprender mais e mais a como nos manter em expectativa e na teimosia da vigilância, mesmo se essa realidade nova parece tardar tanto. Este evangelho de hoje insiste em duas atitudes: a sobriedade e a oração. A sobriedade é postura que hoje nos é pedida diante do consumismo e do desenvolvimento ecologicamente insustentável que ameaça o planeta. Sobriedade do ter e sobriedade do ser. 

O que isso lhe diz hoje? 

A oração tem, hoje, o desafio de refazer uma relação com Deus que não seja apenas rezas e sim uma postura de comunhão e de intimidade com o Divino em nós, nas pessoas e no universo. Uma coisa é orar no âmbito de uma religião ritual e de um Deus cioso de louvor e de bajulação. O outro é a oração em uma perspectiva profética na qual o importante é a escuta de Deus a intimidade do seu Amor se dá na relação social com as outras pessoas e com a natureza. É essa a postura de amor que não desiste de esperar e que antecipa em cada momento a certeza da vitória, mesmo nas lutas mais difíceis. É o que explica a resistência de 500 anos dos povos originários e a sobrevivência que teima em ser feliz das comunidades negras e de suas culturas. A memória de tanto sangue derramado e de tanta dor não nos paralisa mas ao contrário nos estimula à teimosia da luta que sustentamos até o encontro definitivo e a vitória da Vida já antecipados em cada encontro nosso, em cada abraço e no amor que canta o dia de graça que já vivemos desde agora.  

Marcelo Barros

Camaragibe, Pernambuco, Brazil

Sou monge beneditino, chamado a trabalhar pela unidade das Igrejas e das tradições religiosas. Adoro os movimentos populares e especialmente o MST. Gosto de escrever e de me comunicar.

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