São Pedro e São Paulo, apóstolos – Mt 16, 13-19
Viver a fé como espaço de acolhida e doação
Neste domingo, no Brasil, a Igreja Católica vive a festa dos apóstolos Pedro e Paulo. O evangelho (Mt 16, 13- 19) é escolhido por causa da palavra na qual, conforme este evangelho, Jesus teria dado a Pedro função especial na comunidade dos apóstolos: “Tu és Pedro”.
A partir do século IV, a Igreja Católica construiu toda uma teologia sobre o ministério de Pedro que uma antiga tradição situou como tendo sido em Roma. Conforme essa teologia, desenvolvida a parir dos séculos III e IV, o bispo que seria o sucessor de Pedro em Roma coordena todos os outros bispos do mundo. Assim, o poder e o primado do papa como bispo de Roma foram legitimados sobre essa palavra do evangelho.
Sem dúvida, é direito da Igreja apoiar-se em uma tradição. Mas, com os atuais estudos exegéticos, é difícil sustentar como histórico que Jesus tivesse querido fazer de Pedro o chefe da Igreja Universal, que não existia como conjunto de comunidades, nem na época de Jesus, nem ainda no tempo em que os Evangelhos foram redigidos. Menos ainda que Jesus tivesse imaginado um sucessor de Pedro com esse poder. O padre José Comblin escreveu: “Do texto de Mateus não se pode concluir que Pedro teria um sucessor. (…) Quando o Evangelho foi escrito, Pedro tinha morrido provavelmente um quarto de século antes e o Evangelho não fala ainda em qualquer sucessão” (Estudos Bíblicos, 26, p. 16).
Seja como for, podemos descobrir neste texto do evangelho, uma palavra para nos ajudar a viver a fé e a discernir o papel do pastor que quer ser como Pedro na Igreja Católica atual (o papa).
A primeira observação é de que Jesus nos dá esta palavra quando estava no território estrangeiro (do outro lado do Mar da Galiléia). Ele se sentia clandestino e em situação de crise pessoal (poderíamos dizer, em crise de vocação). Por isso, põe em avaliação a sua missão. Com os discípulos, ele faz uma revisão de vida, a respeito do que o povo pensa da sua pessoa e da sua missão. A resposta dos discípulos mostra que o povo não compreende a proposta de Jesus. Então, ele pergunta aos próprios discípulos e discípulas: “E vocês mesmos o que dizem a respeito do Filho do Homem? Esta maneira de Jesus falar dele mesmo é misteriosa. Pedro responde em nome de todos: “Tu és o Messias, o Filho do Deus vivo”(v. 16). A tal ponto, Jesus vive a sua vocação de consagrado, que só pode ser mesmo “filho de Deus”. Quando Pedro confessou: “Tu és o Filho de Deus”, nem Pedro, nem a comunidade do evangelho pensavam em dizer que Jesus é a segunda pessoa da Santíssima Trindade, de natureza igual ao Pai.
É neste contexto que Jesus chama Simão de Pedro ou pedra. Conforme alguns exegetas, na época de Jesus, o povo tinha o costume de escavar as rochas para daí tirar pedras para construir casas. Era um tipo de pedra mais mole que pode nos recordar nossa pedra-sabão, usada por vários artistas para esculturas em pedra. Era um tipo especial de pedra, mais facilmente possível de ser quebrada e partida para dar lugar a abrigos. Os buracos formados nas rochas recebiam na língua aramaica o nome de kepha. As pessoas pobres e sem casa se abrigavam nestas cavernas e as usavam como casas.
Se esta interpretação for correta, o nome Kepha pode ser traduzido por pedra ou gruta que servia de abrigo para os pobres sem-teto. Então, a tradução literal da palavra atribuída a Jesus seria: “Tu és Pedro e sobre ti como gruta que serve de abrigo aos mais empobrecidos quero construir a minha comunidade (Igreja)”.
As comunidades cristãs primitivas acentuavam que a pedra da Igreja é o Cristo (Cf. 1 Cor 10, 11 e 1 Pd 2, 6). “No edifício da igreja, ninguém pode colocar outro fundamento, a não ser o Cristo Jesus, pedra angular” (1 Cor 3, 11). Vários salmos dizem que o Senhor é o rochedo da nossa salvação (Cf. Sl 1; 8, 3 e 32; 31, 4; 61, 4; 95, 3; 144, 1). Jesus tinha dito que toda pessoa que escuta e pratica a Palavra é como quem constrói a sua casa sobre a rocha (Mt 7, 24). O termo Simão quer dizer o ouvinte e obediente.
Mateus é o único evangelista que usa a palavra ‘Igreja’ e no seu contexto significa a comunidade local: a assembleia dos cidadãos e cidadãs do reino de Deus. Pedro é o apoio, a pedra que deve dar segurança ao edifício no sentido da fé. Para a comunidade de Mateus, Pedro é símbolo do discípulo a quem o Senhor confia o encargo de “confirmar na fé aos seus irmãos”. Em outra tradição, Jesus lhe diz: “Simão, orei por ti para que, sendo tu confirmado, confirmes a teus irmãos”(Lc 22, 31- 32).