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A fé pascal que cura a nós e a Mãe Terra

4º Domingo da Quaresma:  Jo 3, 14 – 21. 

A fé pascal que cura a nós e a mãe Terra)

            Neste 4º domingo da Quaresma (ano B), o evangelho lido é João 3, 14- 21 no qual a conversa de Jesus parece se alargar de Nicodemos para todos/as nós. No começo é Jesus quem fala. Depois, fica claro que é a própria comunidade do evangelho que fala de Jesus na terceira pessoa. O evangelho começa por uma referência ao episódio da serpente de bronze, contado no livro dos Números (Nm 21 4 ss). Jesus tinha dito a Nicodemos que para se acolher bem o reinado divino no mundo é necessário novo nascimento. Aqui ele deixa claro que esse novo nascimento não é algo tranquilo. É conflitivo e se realiza à medida que assumimos a cruz, como foi o caso de Jesus e como ele apontou para os discípulos e discípulas. 

Nos evangelhos de Mateus, Marcos e Lucas, por três vezes, Jesus anuncia ao grupo a sua decisão de ir a Jerusalém enfrentar as autoridades religiosas e a cruz será a consequência disso. O quarto evangelho substitui essa linguagem da cruz por uma expressão própria: a elevação do filho do Homem (Jo 3, 14 e 12, 23). Aquilo que para o senso comum seria o máximo da humilhação e do castigo (ser suspenso em um instrumento de tortura como a cruz), o 4º evangelho vê como elevação e como glória, isso é, sinal da presença de Deus. 

Essa passagem usa como figura da cruz de Jesus a antiga serpente de bronze, levantada no deserto. Conforme o relato bíblico, o povo sofria uma epidemia de feridas. Quem olhava para a serpente era curado. 

Em todo o Oriente Antigo, era comum o culto da Serpente como divindade curadora e da fertilidade. Mesmo com toda a rigidez dos profetas contra os cultos estrangeiros, no próprio templo de Jerusalém, onde era proibida qualquer imagem, havia uma serpente de bronze. Conforme os textos bíblicos, o mesmo Moisés que fora implacável contra o culto do bezerro de ouro, aceitou a serpente de bronze. Rejeitou a cultura popular quando, no caso da adoração ao bezerro de ouro, porque aquele tipo de religiosidade afastava o povo da caminhada libertadora. Aceita no caso da serpente, porque ali se trata de curar, portanto, defender a saúde e a vida. 


Muitos cristãos ainda interpretam os cultos afro-brasileiros como sendo idolatria, do mesmo modo que os profetas da Bíblia condenavam os cultos cananeus. Isso está errado porque iguala tudo. Não percebe que a mesma Bíblia que rejeita e condena o culto do bezerro de ouro aceita a imagem da serpente de bronze que era uma divindade dos cananeus, do mesmo jeito que era o bezerro de ouro. No entanto, enquanto o bezerro de ouro representava o desejo de riqueza, a serpente era símbolo de cura das doenças e defesa da vida.

Ao se comparar com a serpente de bronze no deserto, Jesus assume a caminhada libertadora e mostra que quer atualizá-la agora para todo mundo. Historicamente, a cruz é terrível instrumento de suplicio. De fato, representou a violência do sistema contra o profeta rebelde que desafiou os religiosos. No entanto, a comunidade do Discípulo Amado quer nos mostrar na cruz mais do que isso. O amor transforma a cruz em instrumento de cura e salvação. Não porque Deus tenha necessidade da morte do seu Filho para salvar o mundo, mas porque o seu amor chega ao ponto de, através de Jesus, se oferecer aos inimigos como dom e oferta de vida. Essa é a loucura da cruz. Esse evangelho diz que Deus amou tanto o mundo que lhe entregou o seu Filho. O modo de falar recorda o modo como Abraão aceita entregar  o seu filho Isaac, quando pensa que Deus lhe pede isso (Gn 22). No caso de Jesus, a doação da vida vai até o final, porque não se trata de um sacrifício e sim de testemunho (martírio). 

Jesus revoluciona o modo de revelar Deus. Mostra que Deus não pode ser identificado com o poder supremo, nem com uma divindade que premia os que lhe obedecem e castiga aos que lhe resistem. O Deus de Jesus é só Amor e só pode amar. Não pode legitimar guerras nem religiões de cruzadas. É um Deus carente. Se no primeiro testamento, se revelou vestido de fumaça e fogo, nos evangelhos se reveste de carne: a nossa carne. É um Deus que se entrega na entrega de amor que Jesus faz. O evangelho conta que, no horto, Jesus viu o seu grupo em risco. Então, se entregou para salvá-los: “Se é a mim que buscais, deixai que esses possam ir livres” (Jo 18 8). 

               Seria pretensão e arrogância querer explicar o tamanho e as razoes desse amor. Ele nos é oferecido para que também nós aceitemos viver isso. Isso é o sentido da Páscoa. Essa é a proposta da Campanha da Fraternidade que liga a conversão pascal à nossa abertura e disponibilidade para entrar em uma cultura de “amizade social”. Se Deus amou tanto o mundo que chegou a entregar o seu Filho Único, esse amor é fonte de comunhão e de amizade social que devemos desenvolver e aprofundar. 

Marcelo Barros

Camaragibe, Pernambuco, Brazil

Sou monge beneditino, chamado a trabalhar pela unidade das Igrejas e das tradições religiosas. Adoro os movimentos populares e especialmente o MST. Gosto de escrever e de me comunicar.

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