Festa de São Pedro e São Paulo: Mateus 16, 13 – 19.
No evangelho de hoje, podemos discernir duas partes:
1ª - a primeira, a confissão de fé de Pedro é comum aos evangelhos de Mateus, Marcos e Lucas.
2ª - A segunda parte é a promessa de Jesus a Pedro (Tu és Pedro). Essa é contada unicamente por Mateus e se constrói sobre três símbolos ou figuras:
primeiramente, a da pedra que se liga com o nome aramaico Kefas atribuído a Simão. É possível que no mundo de Jesus, Kefas era a designação para um tipo de pedra antiga, comum na região e que permitia ser moldada para formar cavernas e moradias populares para quem não tinha casa. Kefas não tem o sentido de Pedra maciça, compacta, mas, sim, de pedra ocada, gruta que servia de abrigo e refúgio para os pastores e rebanhos em momentos de intempéries ou sob ameaça de algum agressor. Se isso é assim, o nome e a função dada por Jesus a Pedro tem essa característica: a função de Pedro não é a da rocha firme sobre a qual a Igreja é fundada e tenta se justificar o dogma da infalibilidade do papa. No entanto, significa também a pedra no sentido de gruta, que oferece abrigo e refúgio às as pessoas sem-teto, sem proteção, a todos que estão sendo violentados na sua dignidade.
A segunda figura dessa palavra de Jesus a Pedro diz respeito às chaves: “Eu te darei as chaves do reino dos céus”.
No contexto do evangelho, dar as chaves significa dar a capacidade de interpretar as escrituras. As chaves dizem respeito à interpretação dos textos bíblicos e das palavras que devemos acolher e viver como Palavra de Deus. Então, Jesus dá a Pedro e aos discípulos/as a capacidade de interpretar corretamente as escrituras.
Finalmente, vem a figura do ligar e desligar. Compete ao discípulo de Jesus, no caso, Pedro, depois no capítulo 18 de Mateus, Jesus dirá que toda a comunidade é chamada a discernir as responsabilidades. Se Pedro e a comunidade dizem que a pessoa é responsável por tal situação, Deus a responsabiliza. Se eles a liberam, Deus a liberará. Ou seja, a reconciliação entre as pessoas, as nações e os Povos não acontece como um raio que cai do céu na terra, de forma mágica, mas se dá pelas relações humanas e sociais que com abertura de coração, respeito e admiração ao outro que é humano como eu e pode sempre melhorar. Dá-se pelo aprendizado com erros e as falhas, em busca conjunta e solidária. Assim, o que se liga no céu, Deus amorosamente aceita que seja ligado no céu também.
Não se trata tanto de perdoar ou não perdoar, como muitos interpretam a partir da passagem paralela de João 20, 23, na qual o Cristo ressuscitado dá aos discípulos e discípulas o Espírito Santo e diz: “A quem perdoardes os pecados serão perdoados (por Deus) e a quem os retiverdes, serão retidos”. Trata-se de antiga disciplina das comunidades cristãs na qual a penitência era um processo e havia um momento no qual as pessoas tinham o pecado ligado a elas e outro momento no qual o pecado era desligado.
Além de Mateus 18, 17, este é o único texto do evangelho no qual aparece a palavra Igreja no sentido de comunidade local convocada pelo Cristo a viver o discipulado. Esse discipulado que hoje devemos renovar se distingue pela consciência do chamado de Jesus, pela decisão de segui-lo e pela disposição de cumprir a missão. Esta não se restringe à religião e sim diz respeito ao compromisso de testemunhar o projeto divino no mundo, ou seja, fazer da profecia da fé instrumento para colaborar na organização de um mundo baseado na justiça, na paz e no cuidado com a criação.
Dom Pedro Casaldáliga afirmava: a nossa missão é espalhar ressurreição. Esta foi a missão dos apóstolos Pedro e Paulo e por isso eles deram a sua vida. Hoje, afirmamos que o martírio é mais uma forma de viver do que de morrer. Dar a vida pela causa do evangelho exige cuidar para que essa doação seja eficaz, ou seja, produza efeito de mais vida e mais libertação para todos e todas. Não basta dar a vida. É preciso que o modo de dar seja profecia que gere mais vida, ou seja, aquilo que os povos originários estão denominando “o bem-viver”.