A festa no meio da luta
Alguém que viesse de outro planeta poderia se espantar com o povo brasileiro. No mundo, o Brasil ostenta o título de terceiro país em desigualdade social. Governo e o Congresso que governam o país, financiados por grandes empresas, garantem leis e estruturas que agravam ainda mais essa injustiça fundamental. Tudo isso é sustentado por uma agressiva guerra midiática, que aliena as pessoas e as leva a achar tudo isso normal. Nesse contexto, soa estranho que, em várias regiões do país, o povo se entregue às alegrias das festas juninas.
Evidentemente, as festas populares podem ser
expressões de mera alienação social e política. O Império continua a dominar as
massas através da fórmula que conjuga "pão e circo", assim como a
televisão alterna imagens de sofrimento e luta, com os jogos de futebol que
eletrizam multidões. Por isso, as festas juninas podem fazer as pessoas
esquecerem, ao menos por instantes, as luta cotidianas da vida. No entanto,
podem também servir de ensaio para uma mais eficiente organização popular.
Assim, revelam ao mundo uma resistência cultural que nem os meios de
comunicação conseguem vencer.
O próprio fato dos festejos juninos, surgidos
em um mundo rural antigo, se manterem vivos na cidade, faz deles símbolos de
resistência cultural. As festas juninas,
vividas hoje em um Brasil quase totalmente urbano, não deixam o povo esquecer
as mudanças de estação e o contato com a natureza. Na Bolívia, Peru e Equador,
na semana e especialmente na noite do 24 de junho, os índios festejam o
Inti-Rami, festa do Sol, celebração principal do ano novo andino. É o
correspondente aos festejos juninos, brincadeiras caipiras, quadrilhas e
comidas típicas de cada região do Brasil. Algumas dessas danças tiveram sua
origem nas cortes da Europa. Hoje, chamam-se “quadrilhas” e ainda usam termos
franceses. Nelas, as pessoas se vestem de pobres lavradores da roça, mas
executam danças da nobreza de outros séculos. Em brincadeiras como casamentos
caipiras, figuras como padres e juízes da roça são caricaturadas porque só se
interessam por dinheiro e poder. Essas críticas revelam o modo como as camadas
mais empobrecidas do povo podem expressar sua crítica e seu protesto social.
Até os santos são envolvidos no clima de festa. Santo Antônio é considerado
santo casamenteiro. São João Batista é uma criança que vem brincar nas
fogueiras do povo e São Pedro se torna companheiro de festas. O povo liga os
santos às realidades da vida cotidiana.
Em meio a uma sociedade dominante sem
perspectivas, o caráter lúdico da crítica popular, latente nas brincadeiras
juninas pode ser ensaio de uma sociedade nova na qual todos são protagonistas.
Assim, na alegria e de forma despretensiosa, grupos e comunidades populares
sinalizam uma realidade nova que se aproxima ao que os evangelhos chamam de
reinado de Deus. Do seu modo e em sua linguagem lúdica, essas festas parecem
cumprir a palavra do mensageiro de Deus no evangelho que ao anunciar o
nascimento do profeta João Batista, prometeu: "Por seu nascimento, muitos
se alegrarão" (Lc 1, 14). Ao criticar a sociedade dominante e expressar
uma palavra dos pobres, as festas juninas expressam a verdade que os evangelhos
atribuem a São João Batista: “Mudem de vida porque a realização do projeto de
Deus no mundo está próximo!” (Mt 3, 2).