3º Domingo do Advento – Mt 11, 2- 11
O poder revolucionário do cuidado amoroso
Neste domingo, as comunidades leem o começo da terceira parte do evangelho de Mateus (Mt 11, 1- 12). Depois de ter enviado os discípulos em missão (Mt 10), no primeiro verso de Mt 11, o próprio Jesus parte pelas aldeias e cidades da Galileia. Começa a fazer ele mesmo o que tinha proposto aos discípulos e discípulas. Assim, ele mostra, na prática, o que significa cumprir a missão e enfrentar os conflitos que a acompanham (Mt 11,1). E o mais estranho é que o primeiro conflito ou incompreensão não vem dos inimigos. No verso 2, mostra que, da prisão, João Batista manda discípulos interrogarem a Jesus a respeito de sua missão messiânica libertadora.
Conforme o evangelho, João Batista tinha batizado Jesus e a partir do batismo, Jesus assumiu uma vocação profética própria e original. Enquanto João atuava nas margens do rio Jordão e no deserto, Jesus se inseriu nas aldeias da Galileia. Enquanto João anunciava a vinda iminente da justiça divina, Jesus agia diferentemente. Para anunciar o amor e a bondade do Pai, Jesus curava as pessoas das doenças e as libertava de toda energia negativa.
No contexto daquela época, João faz a Jesus a mesma contestação que hoje muitos cristãos fazem quando alguém cumpre uma missão libertadora: será que isso não é mais político do que religioso? Quantas pessoas que se consideram católicos expressaram dúvidas a respeito do ministério de pastores como Helder Camara, Tomás Balduíno e Pedro Casaldáliga? Quantos, se pudessem, teriam perguntado ao papa Francisco se ele ainda cumpria o Evangelho de Jesus Cristo ou se mudou para outra coisa?
Conforme o evangelho, a primeira pessoa que teve de se posicionar sobre Jesus foi João Batista, o profeta que estava preso. Pelo que diz este evangelho, o posicionamento de João não foi positivo e sim de decepção e incompreensão. Claro que, no caso de João, o problema não era a separação entre fé e política. Era que Jesus não parecia um agente da justiça de Deus no mundo. Não tinha a severidade e o rigor que João achava que o Messias deveria ter. Para anunciar a vinda do Messias, João tinha se baseado em profecias que prometiam a manifestação da justiça e da ira de Deus (como Ml 3, 2- 3). No tempo em que pregava nas margens do Jordão, conforme os profetas que anunciavam a vinda do Messias, João garantia que o Cristo viria ao mundo trazendo o julgamento divino. O Messias deveria vir com força, como um machado na raiz das árvores. Separaria o trigo das palhas para queimá-las (Cf. Mt 3, 10). João Batista foi radical e, por isso, foi preso. Agora ele quer que Jesus realize suas obras de juízo, destinadas a defender os justos e os eleitos e a condenar ímpios e impuros.
Na prisão, João Batista ouve dos seus discípulos histórias sobre como Jesus atua e João se decepciona. Entra em crise de fé. Sente-se como traído. Deus tinha lhe mandado anunciar um tipo de Messias e o que veio foi outro. Assim João podia ser considerado um dos falsos profetas que anunciam algo que não se cumpre. Esta é a sua crise. Por isso, ele manda os discípulos interrogarem a Jesus: “É você mesmo Aquele que vem, ou temos ainda de esperar por outro?”.
A expressão “Aquele que vem” se referia ao Messias que deveria vir para restabelecer o reinado de Israel e libertá-lo dos seus inimigos (Cf. Salmo 118, 26; Dn 7, 13). A dúvida de João é a porta de entrada desta seção do evangelho que será toda marcada pela desconfiança e mesmo pela rejeição. Jesus sai em missão e é questionado por João, rejeitado pelos habitantes das cidades do lago da Galileia e mal visto pelos religiosos. É provável que o evangelista Mateus tenha contado a crise de vocação de João Batista e o posicionamento de Jesus sobre João para tratar da relação conflitiva ou tensa que havia entre o grupo dos seguidores de João e os cristãos na época dos evangelhos (anos 80 do primeiro século da era cristã). Então, ao responder aos questionamentos de João, de fato, Jesus está respondendo aos problemas das comunidades de Mateus, como também das dúvidas e questionamentos nossos que vivemos nos dias atuais.
Também em nossos dias, muitos irmãos e irmãs veem a realidade atual e se perguntam que sentido ainda têm a missão e o anúncio da salvação. Diante do tipo de religião que a gente vê nas Igrejas, o que significa a missão? Como nos posicionar quando vemos bispos, padres, pastores e grupos evangélicos e católicos se colocarem a favor da extrema-direita política? Como reagir ao fechamento de muitos do clero e da hierarquia católica às questões de gênero? Como reagir ao se ver televisões católicas sustentando as piores posturas políticas e ligando a missão cristã à ambição de juntar muito dinheiro em nome de Deus? Isso tudo é idolatria, falsas posturas religiosas.
As questões de João Batista a Jesus tinha um sentido mais ou menos assim: será que não está na hora da violência de Deus contra todo esse absurdo? Você, Jesus, não vai agir como Elias e fazer descer fogo do céu contra esses ímpios? Como lidar com padres, bispos e pastores que se revelam falsos profetas e enganadores do povo?
Jesus não responde diretamente à pergunta de João. Ele faz referência a profecias diferentes que mostram a compaixão e a misericórdia divina com os necessitados (Is 35 e 61). Jesus não quer ser juiz e senhor da história. Coloca-se como pobre, descentrado, sempre ao lado do pequeno, do sofredor e mesmo do impuro e das pessoas pecadoras.
As suas ações só destacam uma coisa: a compaixão com as multidões cansadas e abatidas como ovelhas sem pastor, como antes o evangelho tinha mostrado (Mt 9, 36). Suas ações são de misericórdia e de vida para enfermos, pobres, impuros e excluídos. Jesus manda dizer isso a João Batista e adverte: Cuidado! Aceite isso e não rompa comigo pelo fato de que a imagem de Deus que proponho não é a mesma a qual você se habituou. Pelo fato de não compreender, ou por ter pensado uma coisa e ter acontecido outra, não caia na armadilha do escândalo. Não chegue a “romper a sua relação de adesão” (sua fé). Deus sempre surpreende a gente.
Até hoje, Jesus nos responde que a solução para essa crise só pode vir através da radicalização do cuidado com os mais abandonados e por uma atitude de mais humanidade ainda do que antes fazíamos. Após deixar claro qual é a mais profunda política de Deus e, portanto, a sua maneira de cumprir a missão – como sinal e testemunha da ternura divina, Jesus fala com o povo sobre João: “A quem vocês foram ver no deserto?”. Confirma que João é profeta. É mesmo o maior dos profetas, o precursor do Messias, como um novo Elias, o profeta que a piedade popular acreditava que voltaria ao mundo antes da vinda do Messias Jesus encerra a sua palavra com uma sentença enigmática: “Entre os nascidos de mulher, nunca houve alguém maior do que João. Entretanto, o menor no reino dos céus é maior do que ele” (Mt 11, 11). João é alguém muito importante, o maior de todos. Mas, de que adianta essa grandeza humana no reino dos céus? No estilo dos rabinos do seu tempo, Jesus afirma que o importante não é tanto admirar João, mas viver de um modo que se possa participar do reinado divino. As diferenças que João tinha percebido e que fez com que ele se interrogasse sobre Jesus, de fato, não são assim tão grandes. Jesus conclui com outra palavra misteriosa: “Desde os dias de João até agora o reino de Deus se toma pela força e são os fortes que se apoderam dele” (Mt 11, 12).
João não precisa saber se Jesus é aquele que há de vir. O que João precisa saber é que ele mesmo, justamente por estar no cárcere, por estar sofrendo perseguição, por defender o direito e a justiça, é o próprio enviado, o próprio Cristo. Cristo é o termo grego para “consagrado”, ungido para uma missão libertadora. Jesus de Nazaré mereceu de tal forma este título que Cristo se tornou quase como se fosse um sobrenome dele: Jesus, o Cristo. No entanto, o Espírito suscitou na história da humanidade muitas pessoas, homens e mulheres, que viveram essa missão de pessoas consagradas à plena libertação da humanidade. As grandes tradições espirituais falam de Sidharta Guatama, o Buda que atuou na Índia, cinco séculos antes do nascimento de Jesus Cristo, mas até hoje encanta e orienta milhões de pessoas no mundo. Do mesmo modo, podemos falar no profeta Muhamad (Maomé), pioneiro da fé muçulmana. No Brasil, temos figuras como Zumbi dos Palmares, Dandara e mais recentemente tantos irmãos e irmãs, mártires da caminhada de libertação.
Esse Natal será para nós um novo Natal, se cada um/uma de nós formos esse Cristo que deveria vir e veio para testemunhar o amor e a compaixão divina pelos empobrecidos no coração do mundo e nas nossas comunidades e nos consagrarmos a realizar juntos e juntas o projeto divino de um novo mundo com justiça e paz.
Ó VEM, SENHOR, NÃO TARDES MAIS!
VEM SACIAR NOSSA SEDE DE PAZ! (BIS)
Ó VEM, COMO CHEGA A BRISA DO VENTO,
TRAZENDO AOS POBRES JUSTIÇA E BOM TEMPO!
Ó VEM, COMO A CHUVA QUE CHEGA NO CHÃO
TRAZENDO FARTURA DE VIDA E DE PÃO!
Ó VEM, COMO CHEGA A LUZ QUE FALTOU
SÓ TUA PALAVRA NOS SALVA SENHOR!
Ó VEM, COMO CHEGA A CARTA QUERIDA
BENDITO CARTEIRO DO REINO DA VIDA!
Ó VEM, COMO CHEGA O FILHO ESPERADO
CAMINHA CONOSCO JESUS BEM AMADO!
Ó VEM, COMO CHEGA O LIBERTADOR
DAS MÃOS DO INIMIGO NOS SALVA SENHOR (Zé Vicente)
