XII Domingo Comum - Mt 10, 26-33
“Tende medo somente do medo”
O refrão desta música pastoral do padre Zezinho pode servir como boa porta de entrada para compreendermos a proposta do evangelho deste XII Domingo comum do ano (Mateus 10, 26- 33). É a continuação do discurso que Mateus coloca na boca de Jesus como palavras de envio dos discípulos e discípulas em missão. Em poucos versos, três vezes, Jesus insiste em dizer: “Não tenham medo”(v.26, 28 e 31). Que importância pode ter para nós essas palavras, quando, por vários motivos, temos razões sérias para ter medo?
A primeira constatação é que Jesus nos adverte de que a missão implica em conflitos, sofrimentos e riscos para as pessoas que vão testemunhar a boa notícia da vinda do projeto divino no mundo. Jesus tinha mandado os discípulos e discípulas irem de dois em dois para cuidar das pessoas doentes, libertá-las das energias negativas e testemunhar que o projeto original que Deus tem para o mundo está pronto a se realizar. Por que este tipo de missão provocaria tanta oposição e conflito?
Na América Latina, nos últimos 60 anos, temos convivido com o martírio de muitos irmãos e irmãs (há quem calcule em 30 mil pessoas), assassinados/as por serem testemunhas do reino de Deus na caminhada das comunidades do campo e da cidade, na defesa da vida dos povos indígenas e da mãe Terra, na luta não violenta pelos direitos humanos e da natureza.
A comunidade de Mateus escreveu essas palavras de Jesus nos anos 80, quando já tinha meditado sobre a violência sofrida por Jesus em sua paixão. Também as comunidades já sofriam as primeiras perseguições do Império contra cristãos (no tempo do imperador Nero).
Além disso, o Judaísmo rabínico já tinha rompido com a Igreja cristã. Portanto, de todo lado, tanto no aspecto político, como até no religioso, ser discípulo ou discípula de Jesus era conflitivo e perigoso. Como diz Jesus: eu vos envio como ovelhas para o meio de lobos. Parece loucura o pastor mandar ovelhas para o meio de lobos. De fato, muitos sacerdotes, intelectuais (doutores da lei), governadores e reis, que deveriam ser pastores, na realidade, se comportam como lobos que perseguem e devoram as ovelhas, ou sejam, os/as enviados/as do reino. Naquela época, cristãos/ãs só entravam nas sedes do poder religioso (sinagogas) e político, arrastados como réus. Hoje, não é mais assim. Há religiosos que, em nome de Jesus, vão ao planalto fazer barganhas. A proposta de Jesus aos discípulos é que resistam às perseguições; principalmente não deixem de ser ovelhas. Nunca se comportem como lobos.
Como resistir? Nada de barganha com o poder político para conseguir dinheiro para seus projetos religiosos. (o que, desde os tempos da colônia, aqui na América Latina, não poucos bispos, padres e pastores sempre fizeram. Nos tempos de ditaduras militares, colaboravam com a repressão.
Aos discípulos e discípulas que vão em missão, Jesus pede resistência e oposição não violenta. Devem ter a sabedoria da serpente (No mito de Adão e Eva, a serpente é considerada o mais astuto dos animais da terra, capaz de seduzir o homem e a mulher que se deixaram enganar. (Gn 3,1).
Para enfrentar os lobos é preciso ser mais sábios do que eles. Precisamos conhecer o bem e o mal, sem nos deixar corromper, contaminar pelo poder que essa sabedoria dá. Aí a simplicidade e integridade das pombas é importante. Essas duas qualidades (capacidade de discernir e simplicidade) são fundamentais para testemunhar o projeto divino no mundo.
A missão deve ser isso: em relação às ovelhas, testemunhar o reino da paz e da justiça; em relação aos lobos de hoje, enfrentá-los corajosamente com a força do testemunho. Não se consegue fazer uma coisa sem a outra. A força vem do Espírito Santo.
Alguém precisa avisar a muitos que se dizem pastores: Não adianta querer cuidar das ovelhas sem enfrentar os lobos. Isso foi assim desde os tempos do Êxodo. Moisés precisou conduzir o povo para a liberdade e, ao mesmo tempo, enfrentar o faraó. Este foi o problema da religião judaica depois do cativeiro da Babilônia: aceitar cooperar com os impérios opressores para ter liberdade de culto. Mas, aí só tinham sacerdotes. O salmo lamenta: “Não há mais profetas e ninguém sabe até quando” (Sl 74, 9). No discurso da montanha, Jesus tinha proclamado: “Felizes as pessoas perseguidas por causa da justiça, porque delas é o reino dos céus. Felizes sois quando vos insultarem e perseguirem e, mentindo, disserem todo mal contra vós, por minha causa. Alegrai-vos e exultai, porque grande é a vossa recompensa nos céus. Assim, com efeito, perseguiram os profetas que vieram antes de vós”. (5,10-12).
As Igrejas precisam aprofundar a dimensão política da sua espiritualidade e teologia. Sem isso, só resta a religião tradicional e cultual que Jesus denunciou. Testemunhar o reinado divino no mundo exige coragem. Jesus adverte de que esse enfrentamento provocará divisões até dentro de casa, oposições dentro das próprias famílias. A casa, que deveria ser lugar da paz, acaba virando lugar do ódio. Isso será assim até o fim dos tempos. A última palavra deste evangelho pode ser mal interpretada. Jesus diz: quem der testemunho de mim diante dos poderosos, eu também darei testemunho dele ou dela diante do Pai e quem me renegar, eu o renegarei diante do Pai.
Na parábola do juízo final no mesmo evangelho de Mateus, quando Jesus diz: Vinde benditos do meu Pai porque tive fome e me destes de comer, tive sede e me destes de beber... e dirá aos que não o reconheceram nos mais pobres: não vos conheço... As imagens tanto de uma passagem quanto da outra são dos apocalipses, que ainda falam de julgamento, céu e inferno. Hoje, falar bem de Jesus é denunciar a religião do mal e da violência. Falar bem de Jesus é colocar a fé e o culto a serviço do amor, da justiça ecossocial e da libertação dos oprimidos. A canção do padre Zezinho nos lembra: “Tende medo somente do medo. A verdade vos libertará, libertará...”.