O evangelho de Marcos conclui a primeira sessão do seu evangelho com o episódio que as comunidades leem na liturgia desse domingo (Marcos 6, 1- 6). Lucas coloca essa cena logo no início da missão pública de Jesus e diz claramente que isso ocorreu na sinagoga de Nazaré (Lucas 4, 16-31). E explicita o conteúdo das palavras de Jesus "O Espírito do Senhor desceu sobre mim e me enviou para anunciar aos pobres a boa notícia do reino". Esse relato de Lucas foi muito importante para as comunidades de base e as Igrejas da libertação. Marcos não cita o conteúdo da fala de Jesus. Diz que o pessoal da sinagoga reage ao fato dele ser profeta. O texto sublinha que os conterrâneos de Jesus se espantaram (Quem é esse? De onde vem essa sabedoria?).
Muitas vezes, isso ocorre. As pessoas reagem não ao que a pessoa diz, mas pelo próprio fato da pessoa dizer. Pouco importa o que disse. A pessoa é censurada por ser ela. Os homens da sinagoga reagiram dizendo: Não é esse o filho de Maria? Não conhecemos seus irmãos? De onde lhe vem essa sabedoria? Alguns exegetas pensam que eles rejeitam Jesus porque o criticam pelo fato dele não ficar na aldeia e prover as necessidades da mãe provavelmente viúva. Essa era a obrigação dele como filho mais velho. Outros como Brown dizem que ao dizerem: "Não é esse o filho de Maria?", quando o normal era mencionar o pai, eles estariam dizendo que ele nasceu de uma união ilegítima. Era um filho da mãe,um bastardo. De todo modo, seja como seja, o assunto principal desse episódio é a honra do profeta.
No caso de Jesus e certamente de outros, o mais grave é que essa rejeição mexe profundamente e fragiliza o próprio profeta no mais íntimo de sua missão. Os três evangelistas que contam essa cena (também Mt 3, 54 ss) salientam o fracasso de Jesus. A missão na Galileia fracassou. Mateus tinha sublinhado que todas as cidades do lago o rejeitaram. O texto de Marcos chega a dizer que por isso (por causa da rejeição deles), Jesus não pôde fazer ali muitos sinais, só algumas curas. É como se, de fato, essa incompreensão das pessoas gerasse no próprio profeta uma espécie de impotência.
De fato, é a última vez que o evangelista mostra Jesus indo a uma sinagoga e falando a seus conterrâneos de Nazaré. De acordo com Mateus e Lucas, Jesus se sentiu tão assim, profeta contraditório e desmoralizado, que se comparou a Jonas, o profeta que Deus manda para um lado e ele foge para o outro.
Isso é estranho porque, em geral, quando se fala em profeta, as pessoas idealizam e falam em coragem, coerência, etc. Essa é a imagem dos grandes profetas, como os que tivemos na América Latina, Dom Helder, Oscar Romero e outros... Mas, essa é uma imagem posterior e de certa forma "uma visão de fora". Eu mesmo vivi situações em minha vida, que as pessoas ao saberem diziam "Que coragem!", quando, de fato, por causa de reações muito hostis, eu me perguntava se não tinha enlouquecido e se, de fato, o errado não seria eu. Essa mesma situação, ao ler algumas de suas circulares dos anos 70, eu vislumbrei em certos momentos da vida de Dom Helder e também li no diário de Dom Oscar Romero, até poucos dias antes de seu martírio. Ambos, isolado por seus próprios irmãos bispos, homens como Dom Helder e Dom Oscar Romero se sentiam frágeis e sem saber como agir.
Hoje, medito que essa figura do profeta frágil, meio impotente e desconsiderado que, entretanto, mesmo assim, continua sua missão. No final dessa passagem, o evangelho diz que Jesus também se espantou com a incredulidade deles. Nesses dias, as pessoas do Quilombo da Pedra do Sal no Rio de Janeiro se espantam e não compreendem porque o prefeito Marcelo Crivella se negou a reconhecer o quilombo como patrimônio cultural e histórico da cidade. Lavradores que lutam pela agricultura ecológica não compreendem porque o Congresso vota de forma tão tranquila pela lei dos venenos que abre a porta para todos os agrotóxicos poderem ser usados no Brasil. É a mesma impotência que sente o profeta Lula na sua prisão injusta e ilegal ao ver serem derrubados e nem entrarem em discussão um a um todos os recursos da sua defesa no tribunal que deveria ser imparcial.
A fragilidade da impotência e a teimosia da esperança ativa foram o segredo da continuidade da missão de Jesus. Foi a força de grandes heróis como Gandhi, Mandela, Dom Helder, mas principalmente dos profetas meio impotentes e às vezes vacilantes e ambíguos que somos ou devemos ser todos nós: eu e vocês. Quando sinto isso e rezo, só me lembro da palavra do apóstolo Paulo:
"Para que eu não me exaltasse pela excelência das revelações, foi me dado um espinho na carne, isso é, um mensageiro de Satanás a me esbofetear, afim de que eu não pudesse me orgulhar. A respeito disso, três vezes, orei ao Senhor para que o afastasse de mim. Mas, ele me respondeu: "Basta-te a minha graça, porque o meu poder se aperfeiçoa na fraqueza". Assim sendo, de boa vontade, me gloriarei de minhas fraquezas, para que habite em mim a força do Cristo. Sinto alegria em ser fraco, em sofrer injúrias e passar necessidades e perseguições. Ou quando sinto angústias por amor de Cristo, porque quando sou fraco, aí é que estou sendo forte" (2a carta aos coríntios 12, 7- 10).