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A inserção que nos traz alegria

A inserção que traz alegria e bem-viver

              Neste 2º Domingo do Tempo Comum (ano C), escutamos como evangelho João 2, 1 a 11, que conta como, em uma festa de casamento em Caná da Galileia, Jesus transformou água em vinho. 

Só podemos ficar contentes que o quarto evangelho nos dê essa boa notícia. Jesus começa a sua missão profética na Galileia não pregando penitência como aparece em outros evangelhos e sim transformando água em vinho para trazer alegria à festa de casamento de uma família pobre. Para as culturas latino-americanas tão ligadas à alegria do convívio, é bom ver que Jesus começa seus sinais participando de uma festa de casamento e cuidando de que haja vinho e bom. 

Daqui a alguns dias, (de 26 a 30 de janeiro) em Porto Alegre, movimentos sociais e entidades da Sociedade Civil promovem um Fórum Social das Resistências. Mesmo se o momento atual é de solidariedade imediata e urgente com as muitas vítimas das inundações e é de cuidado redobrado com a nova explosão de doenças, o processo do Fórum Social Mundial continua e faz muita gente sentir o sabor novo de uma cidadania universal. É ensaio de maior participação da sociedade civil nos destinos do mundo. Nos tempos antigos, para se expressar uma realidade, assim tão nova, se dizia que as pessoas tinham saboreado o melhor vinho. No processo dos fóruns sociais como na caminhada das comunidades de base e das pastorais sociais, as pessoas se encontram para engravidar o mundo de novas formas de convivência social e política. Este caminho se baseia em nova compreensão da vida, das relações humanas e da comunhão do ser humano com o universo. Muitos chamam isso de “espiritualidade”. É o vinho novo de uma aliança universal. 

Em muitas tradições espirituais, a espiritualidade é vista como mergulho no divino. Os pais da Igreja oriental falavam em divinização do ser humano. Por razões culturais e históricas, a Bíblia insiste na alteridade de Deus. Expressa a intimidade divina em termos de aliança ou casamento com Deus e com a humanidade.

No Evangelho chamado de João, Jesus se apresenta e revela sua missão através de sinais. De sete grandes sinais proféticos, o primeiro foi transformar a água em vinho em uma festa de casamento. Trata-se de um relato simbólico e não de um ato mágico. Tem certa coloração macro-ecumênica (existem relatos semelhantes no culto oriental do deus Dionísio) e um forte conteúdo social e humano. Neste relato simbólico, o Evangelho mostra Jesus fazendo da festa de núpcias de um casal pobre da Galiléia o sinal da antecipação de sua “hora”, sua missão messiânica. 

Muitas vezes, este texto é comentado em uma perspectiva anti-judaica. Conforme tal leitura, a religião judaica está superada, como as talhas destinadas aos ritos de purificação estão vazios. No grego, há um jogo de palavras entre os termos mordomo (arquitriclínio) sacerdote (arquihereus). Dizer que o mordomo não sabia de onde veio o vinho melhor é afirmar que o judaísmo não era mais capaz de proporcionar a aliança da humanidade com Deus. Apesar de que tal exegese se pode, historicamente, explicar pelo momento de confronto das primeiras comunidades cristãs com o judaísmo rabínico, esta interpretação contém certa arrogância, contrária ao modo de ser de Jesus e à sua proposta. No relato de Caná, se existe oposição, é entre a religião institucional (qualquer religião), simbolizada nos ritos de purificação (as talhas vazias) e uma espiritualidade de intimidade com Deus (simbolizada no casamento). Esta nos vem de graça como o vinho novo dado por Jesus, espiritualidade comunitária e enraizada na vida, mas não presa a uma instituição. 

A boa noticia deste Evangelho é que, na nossa vida de cada dia, na realidade de nossas pobrezas (social ou cultural), Jesus se mostra presente e nos revela, em sua pessoa e em cada ser humano, a glória de Deus, isto é, o sinal da presença divina. Em Caná, todo mundo bebe o vinho melhor e se alegra. Só os discípulos (os serventes) sabem o que Jesus tinha feito. Ele não se impõe nem chama a atenção sobre si. O importante é ver os esposos felizes e os convidados satisfeitos. No Brasil, as comunidades eclesiais de base cantam: “Vinho melhor foi guardado para a festa que virá”. É a festa da justiça e da libertação de toda a humanidade. Na preparação desta festa podemos, divinizados, viver a intimidade com o Espírito que nos chama a viver o seu amor universal.  Podemos cantar com Zé Vicente: 

 Na festa do meu povo, 

Há vinho, arte, comida

Mesa fraterna servida

A gente pode saciar!

É nossa sociedade

É mundo novo nascendo

Plantado entre os pequenos

A vida vai transformar!

 

Vinho melhor foi guardado

Pra hora que já soou

Novo céu e nova terra (2x)

Primavera já chegou!

 

Na festa do meu povo

Há dor transformada em canto

Que brota de rios de pranto

E leva toda a nação!

Na força dos humilhados

Como semente escondida

Vencendo a morte, eis a vida

No canto do nosso chão!

 

 

Marcelo Barros

Camaragibe, Pernambuco, Brazil

Sou monge beneditino, chamado a trabalhar pela unidade das Igrejas e das tradições religiosas. Adoro os movimentos populares e especialmente o MST. Gosto de escrever e de me comunicar.

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