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A interioridade grávida do Outro

                    Nessa manhã do Domingo de Pentecostes, acordo com duas sensações contrastantes. A primeira vem de minha sensibilidade de quem desde 18 anos viveu em uma comunidade que diariamente celebra o louvor de Deus. É a sensação de pena de estar no último dia da festa. Creio que é como quem brinca Carnaval quando vê anoitecer a terça-feira e sabe que daqui há poucas horas a festa acaba. Sinto isso nesse último dia das festas pascais. O tempo pascal me faz bem como um remédio que me energiza e me fortalece. Claro que a diferença é que Pentecostes é a coroação do tempo pascal, mas não é como um final de festa que acaba e, no dia seguinte, tudo volta ao zero. Em Pentecostes, celebramos o Espírito que o Pai e Jesus nos dão para ficar conosco e fazer com que essa Páscoa seja sem fim... Então, de certa forma, tenho de superar essa primeira sensação de perda. Não há perda. Mas, eu dizia que tenho uma segunda sensação ou mesmo pensamento. 

                  Hoje, na oração da manhã, canto o refrão que, desde os tempos antigos, as Igrejas cristãs fazem as comunidades cantarem na entrada da missa de Pentecostes: "O Espírito do Senhor, o universo todo encheu. Tudo abarca em seu saber. Tudo enlaça em seu amor, aleluia, aleluia...". 

                     De fato, antes de ser dado a nós, o Espírito é dado ao universo como energia que renova permanentemente a criação. O salmo 104 diz: "Tu envias o teu Espírito e toda a face da terra se renova". Mas, aí vem a minha sensação de quem sabe que está havendo um espetáculo maravilhoso e corre o risco de perdê-lo. Não tenho facilidade de ver ou de perceber essa evolução criativa do universo que se renova. Não fui educado para contemplar a natureza em um parto permanente e adorar o Espírito Divino como mãe dessa vida nova que fecunda os átomos e desde as mínimas partículas do universo até as órbitas dos planetas e o caminho das constelações mais distantes do nosso céu. Sei que a Cosmologia atual descobre cada vez mais a unidade de tudo e que a matéria é energia condensada e nós que cremos sabemos que essa energia é exatamente a Ruah divina, o Espírito do Amor Divino espalhado no universo. 

                    O que consigo é ver nos evangelhos Jesus movido por esse espírito. Inúmeras vezes, os evangelhos afirmam que ele teve suas entranhas mexidas - suas tripas se moendo por dentro - o verbo grego usado quando diz que Jesus teve compaixão dos doentes e os curou - o verbo splanchnisthesomai   significa exatamente esse deixar-se mover interiormente por um amor compassivo - que é como uma gravidez. No hebraico rahamin significa entranhas, mas no sentido de útero. O Espírito Santo engravida o mais íntimo da gente de amor de tal forma que quando estamos apaixonados, o outro mora dentro de nós. Não é mais alguém que encontramos fora, mas está dentro da gente, como uma vida que é outra e ao mesmo tempo está dentro do útero materno. É uma interioridade grávida do outro. 

                  Nessa festa de Pentecostes, peço a Deus essas duas graças: a alegria de perceber e de testemunhar a ação cósmica e ecológica do Espírito fecundando o universo e ajudando a natureza a resistir a todas as crueldades do sistema capitalista. E peço também a graça de não deixar que o amor que está em mim engravidando-me do outro seja nunca abortado. Possa sempre dar à luz uma vida nova, uma sociedade nova - e Deus não seja chamado de mentiroso... Se o Espírito é um dedo da mão do Pai - que ele tome emprestado meu corpo e minha mente para essa gestação do mundo novo. Amém. 

Marcelo Barros

Camaragibe, Pernambuco, Brazil

Sou monge beneditino, chamado a trabalhar pela unidade das Igrejas e das tradições religiosas. Adoro os movimentos populares e especialmente o MST. Gosto de escrever e de me comunicar.

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