A ONU estabeleceu tantas datas a serem comemoradas anualmente que muitas delas não parecem se firmar na cultura da sociedade internacional. Poucas pessoas sabem que o 20 de fevereiro foi escolhido como o Dia Mundial da Justiça Social. Quando lemos o noticiário oficial da ONU, vemos escrito: "O Dia da Justiça Social é de extrema importância para ajudar a fortalecer a luta contra a pobreza, exclusão, preconceito e desemprego, em busca do desenvolvimento social dos países". E a notícia continua: "Alcançar a justiça social significa promover uma convivência pacífica e saudável entre as nações, eliminando barreiras do preconceito, seja por motivos de raça, etnia, religião, idade ou cultura, por exemplo". A data foi criada em 2007 para recordar e reforçar o estabelecimento das metas propostas pela ONU na Cúpula Mundial de Desenvolvimento Social (Compenhague, 1995). Entre as principais ações a serem atingidas com essa iniciativa estão: a eliminação da pobreza, o bem estar da população e o fim de qualquer tipo de descriminação dentro da sociedade.
Ao ler essa notícia publicada pela
Assembleia da ONU, a primeira pergunta que podemos fazer é como esperar
objetivos tão amplos e profundos da mera comemoração de uma data. Ela não
passará em branco, porque sempre haverá algum discurso nas assembleias ou
câmaras desse ou daquele Estado-membro. Talvez algum governante fixe uma placa
comemorativa em alguma instituição pública. No entanto, os mesmos governos que
assinaram o estabelecimento dessa data discriminam estrangeiros pobres.
Diariamente, expulsam migrantes e refugiados ou os confinam em campos de
concentração, dignos do regime nazista. Esses governos assinam um dia para a eliminação
da pobreza e, a cada ano, frequentam o Fórum dos mais ricos para manter o mundo
organizado de forma que 60 famílias
multimilionárias possuam uma riqueza equivalente à metade da humanidade. A ONU
tem boa vontade, mas não consegue deter a sanha assassina de um império que
continuamente arma grupos terroristas para desestabilizar países a serem
dominados e depois o mesmo império usa o pretexto do combate ao terrorismo para
invadi-los. Em menos de duas décadas, vários países do Oriente Médio foram
destruídos para que o governo e as empresas norte-americanas pudessem se
apossar dos poços de petróleo. A Líbia foi destruída para impedir que Kadafi
promovesse a criação de uma moeda única para a União dos Países Africanos. O
império norte-americano e seus aliados europeus financiam que os congoleses se
matem uns aos outros em uma guerra entre irmãos para garantir que as
multinacionais belgas e norte-americanas continuem a explorar os diamantes e das riquezas da
África. Diante de tudo isso, que tem sentido tem a ONU falar em um "Dia da
Justiça Social"?
No Brasil, a concentração da economia é tal
que, atualmente, apenas cinco brasileiros possuem mais do que a metade mais
pobre da população. Vinte milhões de adultos estão desempregados. Será que a
ONU não sabe que, no Brasil, mais de 300 áreas de povos indígenas estão sendo
atacadas e a maioria do Congresso quer mudar a legislação para entregá-las aos
latifundiários? Em nosso país, mais de cinco mil comunidades quilombolas
esperam que se respeite o direito que eles têm a viver em suas terras
ancestrais e manter sua cultura
tradicional.
Atualmente, no Brasil, estamos vivendo
tempos sombrios com graves retrocessos em nossa frágil democracia. Nos três
poderes - judiciário, legislativo e executivo - vêm à tona sucessivas e graves
manifestações de abusos de poder e privilégios, mantidos com o dinheiro público.
Julgamentos partidários e injustos testemunham um poder judiciário ligado ao
que há de pior no país. Processos claramente corrompidos denunciam um
legislativo e executivo desvirtuados e distantes de sua função na efetivação da
democracia.
A Justiça Social da qual fala a ONU é boa e
necessária. Temos de lutar por ela e denunciar cada vez que ela é
desrespeitada. No entanto, a fé bíblica nos ensina que nem sempre o que é legal
é justo. Até hoje, a palavra de Jesus continua a ressoar para nós: "Se a justiça de vocês não for maior e não ir
além dessa justiça dos escribas e dos fariseus, vocês não entram no reino. Não
estão na lógica de Deus. Não participam do seu projeto para o mundo"
(Cf. Mt 5, 20). Em países como o nosso, no qual os governantes são meros
gerentes das grandes corporações econômicas, as leis são elaboradas pela elite
dominante e servem para manter dentro das aparências de legalidade a iniquidade
real daquilo que os bispos católicos da América Latina, reunidos em Medellín
(1968) chamaram de "injustiça
estrutural". Ao contrário da justiça que serve para reforçar
injustiças com aparência de legalidade, conforme a Bíblia, a Justiça de Deus é
sempre libertadora de quem está sofrendo. Tem como proposta transformar o mundo
em uma terra de fraternidade e comunhão. A justiça de Deus trata os iguais de
forma igualitária. Entretanto, para ser realmente justa, tem de ser desigual
para julgar os que vivem situações de desigualdade. Privilegia os empobrecidos,
os explorados e os excluídos desse mundo. O apóstolo Paulo escreveu aos
coríntios: "O que para o mundo é
loucura, Deus escolheu para envergonhar o que é forte. Deus escolheu o que para
o mundo não tem nome nem prestígio, aquilo que é nada, para assim mostrar a
nulidade dos que são alguma coisa" (1 Cor 1, 27- 29). Como traduzia o mártir Monsenhor Oscar Romero:
"A vida e a dignidade dos pobres é a
verdadeira glória de Deus".