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A missão arriscada e incômoda

XV Domingo comum: Mc 6, 7- 13. 

A missão arriscada e conflituosa a qual Jesus nos envia 

              Neste XV domingo do ano, o evangelho de Marcos 6, 7- 13 conta como Jesus enviou os discípulos em missão. No capítulo 3 o evangelho conta que Jesus chamou os doze, um a um e o texto diz: chamou para si. Agora, novamente, o texto afirma: Jesus chamou e enviou. São como três passos do processo vocacional: 

1 - o chamado para o seguimento. 

2 – a pertença ao grupo – a comunhão do discipulado.

3 – a missão no mundo, por amor a todos e todas. 

Para se tornar discípulo, o primeiro passo foi o chamado para o seguimento. Precisamos passar da dispersão do mundo e de uma vida vivida de uma forma qualquer para estar com Jesus, ouvir sua Palavra que nos chama sempre de novo e segui-lo, ou seja, assumir o caminho do amor solidário que ele viveu e nos propôs. 

Aí vem o segundo passo da vocação: Jesus nos coloca no grupo dos discípulos e discípulas. O chamado é pessoal e único, mas ele nos coloca na comunhão de intimidade sua e do seu grupo. A partir de agora, não estamos mais sós. Devemos sempre contar com a comunidade, uma comunidade de destino e de missão. Por isso, vem o terceiro passo que esse evangelho de hoje descreve: o envio em missão. No verso anterior, o evangelho dizia que Jesus percorria a Galileia, “ensinando”. De fato, para Marcos, tudo é ensino: a palavra em forma de enigmas (parábolas), mas principalmente as curas que Jesus faz para libertar as pessoas das doenças que as oprimem e das energias negativas que as dominam. 

Conforme Marcos, o contexto a partir do qual Jesus envia os discípulos em missão é o fato de ter sido rejeitado em sua terra natal. Já que Nazaré fecha suas portas ao testemunho do projeto divino, Jesus envia os discípulos às aldeias das redondezas. “Enviados” é a tradução do termo grego: apóstolos. Eles são enviados para a mesma missão do mestre: testemunhar que o reinado divino está chegando. 

É o terceiro passo: Novamente, Jesus chama “para si” e envia dois a dois na direção do mundo, dos outros, principalmente do povo doente, carente e sofrido. O programa que Deus tem para o mundo vai logo se realizar. Esse reinado tem o poder de libertar o povo das energias ruins (o texto começa dizendo que ele, Jesus, deu aos discípulos o poder sobre os espíritos maus). 

No primeiro capítulo do evangelho de Marcos, a missão de Jesus começa com a prisão de João Batista. João foi preso e Jesus o substitui como profeta. E partilha essa missão com os primeiros discípulos. Agora, esse segundo momento ou etapa da missão (dos discípulos) está ligado ao martírio de João (v 14- 29). É importante esse fato: a missão de testemunhar o reino sempre está ligada à profecia, à prisão e ao martírio. A missão não é algo tranquilo: é conflitiva e perigosa. 

 

Conforme o evangelho de Lucas (Lc 8, 1- 4), além dos discípulos homens, um pequeno grupo de mulheres seguiu Jesus e participou dessa missão desde a Galileia. Esse grupo feminino vai ter muita importância na hora da paixão. As mulheres serão as primeiras testemunhas da ressurreição de Jesus. Jesus chamou homens e mulheres para serem discípulos. Talvez, isso tenha sido uma revolução tão grande para a cultura judaica e oriental da época que, mesmo algumas décadas depois de Jesus, as comunidades que escreveram os evangelhos não foram fieis a essa profecia. Temos de completar esse relato do evangelho e se referir às mulheres também enviadas em missão. Só assim, seremos fieis a Jesus e aos textos que falam de Maria Madalena e outras discípulas como “apóstolas dos próprios apóstolos”. 

A primeira coisa que chama a atenção no texto de Marcos é que Jesus chama os discípulos e discípulas para si e os/as envia. É a união com ele que permite que eles e elas partam em duplas. Em um mundo no qual os caminhos eram extremamente perigosos e violentos, andar em duplas possibilitava o mínimo de segurança. Nos lugares e casas que não os/as receberem, eles (elas) devem fazer o que os judeus faziam quando voltavam do estrangeiro à sua terra: sacudir o pó das sandálias contra essas pessoas. 

Atualmente, em vários países, alguns ministros de Igrejas cristãs se ligam a políticos de extrema-direita e a governantes, responsáveis por guerras, por bloqueios econômicos assassinos e por outras decisões de crueldade humana. Para esses senhores da hierarquia, governantes podem matar pessoas pela violência armada ou pela tortura da fome. Eles lamentam, mas não reagem, contanto que essas pessoas se mantenham favoráveis às pautas de Moral Sexual que essas hierarquias eclesiásticas defendem como sendo de Jesus. 

Ao contrário desse tipo de postura, conforme o evangelho que meditamos hoje, o núcleo principal da missão a qual Jesus envia os discípulos e discípulas é o anúncio do reinado divino através da Paz e da Solidariedade. Jesus chega a dizer que contra quem não aceita a proposta divina da Paz, se sacuda até o pó das sandálias, como se fosse necessário evitar qualquer resto de contato com a ambiguidade. Jesus dá aos discípulos e discípulas poder sobre as energias negativas e lhes manda curar e libertar as pessoas do mal. O padre André Chouraqui fez uma tradução dos evangelhos, na qual  ressalta o sentido original de cada palavra. Na tradução desse texto, ele traduz o termo antigo “possessão diabólica” por sopro contaminado. 

Nestas orientações que Jesus dá aos discípulos para a missão não há nenhuma palavra religiosa. A missão não visa diretamente construção de Igreja, nem pastorais internas ou a piedade individual. Tem como meta o testemunho do projeto divino no mundo. É eminentemente social e política. 

Até hoje, há grupos eclesiais e ministros que confundem Igreja com o reino de Deus. É preciso retomar essa distinção fundamental e testemunhar que o reinado divino está presente e atuante em toda iniciativa solidária, aonde quer que seja. A missão dos discípulos e discípulas de Jesus é valorizar essa ação divina e com ela colaborar.  

O Deus que me criou, me quis, me consagrou

Para anunciar o Seu amor

O Deus que me criou, me quis, me consagrou

Para anunciar o Seu amor

 

Eu sou como a chuva em terra seca

Eu sou como a chuva em terra seca

Pra saciar, fazer brotar

Eu vivo pra amar e pra servir

Pra saciar, fazer brotar

Eu vivo pra amar e pra servir

É missão de todos nós

Deus chama, eu quero ouvir a Sua voz   (Zé Vicente)

Marcelo Barros

Camaragibe, Pernambuco, Brazil

Sou monge beneditino, chamado a trabalhar pela unidade das Igrejas e das tradições religiosas. Adoro os movimentos populares e especialmente o MST. Gosto de escrever e de me comunicar.

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