"Hoje, eu quero a rosa mais linda que houver,
E a primeira estrela que vier, Para enfeitar a noite do meu bem.
Hoje eu quero a paz de criança dormindo,
Quero o abandono de flores se abrindo, Para enfeitar a noite do meu bem.
Quero a alegria de um barco voltando, Quero ternura de mãos se encontrando
Para
enfeitar a noite do meu bem.
Ah como esse bem demorou a chegar, Eu já nem sei se terei no olhar
Toda a ternura que eu quero lhe dar". ( "A noite do meu bem". Dolores Duran e Antônio Maria)
Meditação de Santo Agostinho para o Sábado Santo (século IV)
Irmãos e irmãs queridos,
Nesta
noite de lua cheia, nós e todo o universo fazemos vigília porque, por nossa forma de viver, nós éramos trevas,
éramos noite. Hoje, somos luz no Senhor. Por isso, iniciamos esta Noite santa
acendendo uma luz nova. Esta luz da fogueira e do círio é símbolo da luz da
ressurreição pela qual poderemos resistir e impedir que as trevas da noite
voltem de novo a nos invadir. Por isso, é importante encher de luzes esta noite
e não deixar a luz do fogo se apagar. Que
a luz desta noite bendita ilumine não só o exterior, mas o mais íntimo de cada
um de nós. É nesta noite que Deus realiza conosco a profecia do salmo 139 que
canta: “Mesmo as trevas não são trevas para ti. Esta noite é luminosa como o
dia”.
Na madrugada desta noite, antes que o sol
brilhasse no horizonte, nosso Senhor Jesus Cristo ressuscitou. Nesta noite,
nasceu nossa ALEGRIA, ou melhor, renasceu do túmulo, porque do meio da
escuridão brilhou a luz da ressurreição. A única tristeza que permanece é que
nós e o mundo continuamos penando sob o peso de tantas dores, mas Jesus Cristo
ressuscitou para nos trazer uma força nova. Alegremo-nos. Esta noite já
pertence, de fato, ao dia do domingo porque a ressurreição de Jesus tornou esta
noite mais luminosa que o dia mais claro. A ressurreição iluminou nossas
escuridões. E nós expressamos esta iluminação pelo sacramento do batismo, sinal
e instrumento de nossa ressurreição com Jesus.
É preciso que as chamas da fogueira aqueçam
nossos corações e permitam que nossos espíritos vejam além de nossos olhos da
carne. Consagremos esta noite que se acaba com o domingo por uma grande festa e
proclamemos ao mundo que, mesmo no meio das dores e das trevas de todas as
desordens, Deus faz brilhar a luz da ressurreição na qual somos batizados e
pela qual somos chamados a viver com o Cristo, agora e sempre" (Sermão de Sábado Santo).
Queridos irmãos e
irmãs, (aqui começo eu a falar com vocês)
Não estamos mais na época da Cristandade de Santo
Agostinho, nem pensamos mais o mundo inteiro como cristão. Olhamos em volta de
nós e para muita gente, mesmo de nossa convivência, essa noite não diz nada. Não
tem nenhum sentido especial. Não é somente Jesus que está na sepultura. É a
própria possibilidade da fé. E o túmulo no qual Jesus hoje está contido e
enterrado nem parece ser o mundo ateu. Infelizmente, as nossas próprias Igrejas
que deveriam ser ensaios do reino de Deus na terra se transformam em túmulos
fechados com uma pedra muito pesada que impedem as mulheres, mesmo as santas
mulheres, de entrar no túmulo e cumprir o ministério profético e hoje episcopal
da unção. Quando as Igrejas se fecham em suas tradições e seus ministros se
apresentam à humanidade antes de tudo por sua vaidade e seu gosto pelo poder
sagrado, impedem a humanidade de crer verdadeiramente que Jesus ressuscitou e
que um mundo novo pode começar.
Mas, o evangelho dessa noite de vigília pascal nos diz que, apesar da religião estabelecida (seja o Judaísmo, seja o Cristianismo, seja qualquer outra) ficar na lei e na ordem do poder que acabou levando as autoridades judaicas a se associar ao Império para condenar Jesus à morte, as mulheres que iam ao sepulcro de Jesus encontraram a pedra removida e o túmulo vazio. A pedra não foi removida por Jesus e nem por anjos para que Jesus se levantasse do sepulcro porque a ressurreição de Jesus não é apenas a revificação de um cadáver. É uma vida nova que o Pai lhe deu através do Espírito e nesse sentido o túmulo vazio apenas testemunha que a morte não é o lugar no qual possamos procurar Jesus. "Não procurem entre os mortos Aquele que está vivo". Eu o encontro em vocês, na força do amor solidário e nos grupos sociais que lutam por um mundo novo. Eu o encontro quando consigo transformar o jardim do sepulcro que está em mim e está no mundo em jardim do encontro amoroso e ressuscitador de vida, de esperança e de alegria. Aleluia. Desde tempos muito antigos, na celebração eucarística desse domingo, as Igrejas de tradição latina cantarão um refrão inspirado no salmo 139, o mesmo citado por Santo Agostinho no seu sermão da Vigília Pascal: "Ressuscitei, Senhor, contigo estou, Senhor. Teu grande amor, Senhor, de mim se recordou. Tua mão se levantou, me libertou" (tradução de Reginaldo Veloso).