A missão nas
Galileias de hoje
O texto do Evangelho de Mateus que muitas
Igrejas leem nesse domingo (Mt 4, 12- 23) diz que a missão de Jesus começa ao
saber que João tinha sido preso. Ele decide, então, ir para a Galileia. A
profecia não para. Não se apaga. Não cai, como me disse Dom Helder Camara:
"Não deixe cair a profecia". João foi preso. Jesus decide tomar o
lugar dele. Isso não era uma decisão de procurar segurança. Ao contrário, era
perigoso. Ele sabia que os poderosos políticos e religiosos não gostam de
profetas e tentam acabar com eles. Mas, Jesus vai por missão. Vai morar em
Cafarnaum, uma pequena cidade pesqueira na margem noroeste do lago de Genesaré.
Ele não foi morar em Séforis, a capital da Galiléia, nem em Tiberíades, uma
cidade grande e mais romana. Foi morar em Cafarnaum. Era uma cidade de refúgio,
dessas que, conforme a legislação bíblica, os bandidos e todos os fora da lei
podiam se refugiar. Aliás, no tempo de Jesus toda a Galiléia era “a Galiléia
das nações”, isto é dos refugiados e estrangeiros marginais.
O evangelho de Mateus conta que Jesus fez de
Cafarnaum a sua cidade, para obedecer à profecia de Isaías, conforme a qual, a
região dominada pela sombra e pela escuridão das trevas (A Galiléia dos pagãos)
veria uma grande Luz” (Is 9, 1 ss). Jesus assume a sua missão do Servo de Deus
que deveria ser uma Luz para os não judeus (Is 42, 1- 7: 49, 1- 7). No tempo de Mateus, a divisão da terra pelas
tribos não existia mais. Ao recordar que Cafarnaum ficava no território de
Zabulon e Neftali, o evangelho parece meio irônico. É como se estivesse dizendo
que aquela terra é de Deus e ele a deu ao povo de Israel e não aos romanos. É o
batismo e a tentação no deserto que fazem Jesus assumir a missão de ser profeta
na Galiléia, isso é, nas fronteiras da terra prometida. Assim realizava a
proposta de Deus para que ele fosse “luz para os que habitavam nas trevas, como
dizia a antiga profecia (Is 9, 2- 6).
Sobre isso, escreveu o exegeta e pastor
Milton Schwantes:
“O Novo
Testamento já relaciona Isaías 9, 1- 6 a Jesus. (...) Mas, é inegável que a
esperança que se articula em Isaías 9, 1- 6 é política. Espera por um
governante que realiza paz (shalom), direito (mixpat) e justiça (sedaqah).
Dentro da Igreja, essa esperança concreta e política nunca foi totalmente
apagada. Mas, por certo, a História da Igreja também dá amostras suficientes de
como essa esperança em prol da sociedade foi sendo relegada a um segundo plano.
A acentuação unilateral do além tende a eliminar a esperança para o aquém.
Contudo, isso não significa que a esperança política deixou de existir. Ela
foi, isso sim, marginalizada na Igreja. Mas, desenvolveu-se com vigor fora da
Igreja, em sistemas políticos. O marxismo é um tal sistema que reativa a
esperança. Na esperança que propõe à sociedade reside, sem dúvida, uma de suas
grandes forças. A pergunta é, se a comunidade de Jesus necessariamente tem que
marginalizar a esperança política e se a comunidade de Jesus tem que delegar a
esperança política a sistemas ideológicos. (...) Seríamos infiéis ao texto
bíblico de Isaías 9 se a esperança política – a esperança para o mundo – não
voltar a ser reintegrada à fé em Jesus”[1].
É uma tarefa urgente reintegrar a esperança
messiânica da salvação trazida por Jesus e a mediação concreta da esperança social
e política de que precisamos para o Brasil e o mundo de hoje. Certamente para
toda pessoa que quer ser discípulo/a de Jesus, a base dessa esperança é o apelo
que Jesus faz a todos nós: se convertam. Toda a base do anúncio do reino para
Jesus é o apelo à conversão (metanoia).
Sua missão era anunciar e testemunhar: “Mudem
o modo de pensar! (Metanoien) O Reino
dos céus está próximo!”(4, 17).
O chamado de Jesus às duas duplas de irmãos
começa a mostrar o que é a conversão, a mudança de mentalidade e de coração que
o Reino pede. Jesus chama as pessoas em comunhão. Cada vez, chama dois irmãos
juntos. O evangelho conta como se fosse imediato: Jesus chamou, os discípulos
deixaram tudo e o seguiram. Com a gente, nunca é assim. Uma decisão de vida
dessas é um processo, às vezes, lento...
Quando o evangelho diz que Jesus chamou e
eles o seguiram, está olhando a vocação deles sob o ponto de vista espiritual. Na
realidade, uma vocação tem um processo mais longo para ser descoberta e
atendida. Mas, o que é importante aqui é que o evangelho acentua o chamado de
Jesus e a pronta resposta dos discípulos. O modo como esse episódio é contado
se inspira na forma como Elias chamou Eliseu (1 Rs 19, 19- 22). Assim, fica
claro que a vocação dos discípulos é profética.
Chamando os discípulos na Galiléia, Jesus chama
as pessoas mais influenciadas pela cultura pagã e estrangeira. Até os nomes
deles têm correspondentes judeus e gregos. Simão é o nome de um dos patriarcas,
filhos de Jacó. Pedro é o seu apelido grego. André também é um nome grego e
assim por diante. Isso significa que, desde o começo, Jesus quis um diálogo de
culturas na sua comunidade. Ele chamou os primeiros discípulos e já começou a
percorrer toda a Galiléia. O Evangelho diz que ensinava nas sinagogas. Isso
também é significativo. Hoje, não parece, mas a sinagoga era o lugar onde se
exercia um judaísmo mais laico e democrático. Jesus prefere esse tipo de culto
e de anúncio. Anúncio em um ambiente de diálogo e de discussão.
[1] - MILTON SCHWANTES, Da vocação à provocação, Estudos exegéticos em Isaías 1 – 12, São Leopoldo, Editora Oikos, 2011, pp. 394- 395.