Quando nessa manhã, me levantei com o sol para meditar o evangelho lido hoje nas Igrejas (Ano B - Marcos 4, 26- 34), me deu uma grande alegria interior ao ler a pequena parábola do/a semeador/a paciente e confiante: "O Reino de Deus é como quando alguém lança a semente na terra. Quer ele (ela) esteja dormindo ou acordado/a, de dia ou de noite, a semente germina e cresce, sem que a pessoa que semeou nem saiba como".
Minha primeira lembrança foi de que, no final dos anos 90 (ou 1997 ou 1998) um ou dois anos antes de falecer, Dom Helder Camara recebeu no Recife a visita do Abbé Pierre, tão idoso quanto ele. E ali na salinha atrás da Igreja das Fronteiras, Dom Helder e o Abbé Pierre conversam e oram juntos. Depois, aceitam dar uma entrevista. E o jornalista pergunta:
- Depois de toda essa vida de vocês consagrada aos pobres, o que vocês pensam ter conseguido? Que avaliação fazem do resultado da luta de toda uma vida para transformar o mundo?
Dom Helder respondeu em nome dos dois: - Não nos compete avaliar resultados ou eficácia. A nossa missão foi e é fazer isso que acreditamos. O resultado, só Deus vai poder avaliar. A missão do lavrador é semear... E confiar.... O que podemos dizer é que, enquanto tivermos vida, vamos continuar lutando por isso que acreditamos.
É claro que em um mundo como o nosso, a avaliação dos resultados de nossos trabalhos é necessário e importante. É sinal de que levamos a sério o que fazemos, tanto para melhorar a ação, como para corrigir possíveis erros. O que Dom Helder queria dizer e o evangelho de hoje confirma é que não podemos cair na dependência da eficácia imediata.
Os estudiosos dizem que essas parábolas do reino (do capítulo 4 de Marcos e do 13 de Mateus) são parábolas de crise. De certa forma, assim como o jornalista interpelou Dom Helder sobre o resultado de seus trabalhos, no tempo de Jesus, os escribas e fariseus cobraram de Jesus que ele tinha anunciado e testemunhado que o reino de Deus iria chegar logo e, de fato, esse nunca chegava. Várias vezes, Jesus tinha dito: "A hora já chegou e é agora". "Muitos dos que estão aqui presentes não morrerão sem ter visto o reino de Deus chegar". E, de fato, ele não chegou. O tempo passava e nada. Provavelmente, o próprio Jesus entrou em crise porque Deus lhe inspirado anunciar e testemunhar o reino que viria. E parecia que a promessa divina não se cumpria. Para um profeta bíblico, anunciar uma coisa e ela não se realizar é sinal de que aquela palavra não veio de Deus (senão teria se cumprido). Jesus seria acusado de ser um falso profeta. Foi o problema do profeta Jonas e, de fato, Jesus chega a se comparar com Jonas. Mas, responde a seus adversários com as parábolas que dizem: De fato, o reino de Deus está vindo sim, mas não dando frutos e mostrando resultados. Ele vem como semente. E aí o que compete a Jesus e a nós é lançar na terra a semente.
Parábola é diferente de alegoria e na parábola, cada elemento da comparação não tem um sentido próprio. No entanto, se eu quisesse fazer dessa parábola uma alegoria, eu diria que uma Igreja ou paróquia, ou movimento eclesial que se fecha em sua própria vida interna e não se insere como sinal do reino divino no mundo social e político é como se o lavrador ou lavradora guardasse a semente no armário e não a semeasse na terra. A semente para ser fecunda tem de desaparecer na terra. O evangelho é para criar uma Igreja em saída...
E a parábola do grão de mostarda, como dizem todos os comentários, ressalta a comparação entre a pequenez do grão e a grandeza da árvore, mas tem um aspecto que poucos percebem. É que no tempo de Jesus, a mostarda era uma praga (aprendi isso no livro do John Crossan sobre o Jesus histórico). Nesse caso, o que a parábola diz é que quando o reino de Deus é semeado, os homens podem fazer o que quiserem, podem tentar de todo modo destrui-lo, não conseguirão. É como tiririca no campo do nordeste. Limpa-se o terreno e se acha que se conseguiu tirar a erva má. Quando menos se espera um mínimo pedacinho de raiz faz tudo vingar de novo. O reino de Deus é assim.
Podem dar golpes, podem reprimir, podem fazer guerras de baixa ou de alta intensidade, a força divina da libertação do povo, assim como a nossa (a libertação interior), ninguém conseguirá vencer. Que essa palavra traga uma força nova de resistência e esperança às pessoas que, no Rio, continuam o trabalho de Marielle Franco, aqui no Recife, o trabalho de Margaret Albuquerque que, no MTC, nos deixou de repente nesse inicio de semana. Dê forças novas ao pessoal da Pastoral do Povo da Rua, hoje reunido na Igreja de Dom Helder e visite Lula em sua prisão injusta e lhe dê uma nova energia de esperança e força de resistência. A semente germina e cresce sem que nós nem saibamos como. Aleluia.