1º de janeiro: Oitava do Natal – Lc 2, 16- 21.
A Palavra Divina se faz carne em nossas coletividades
Neste primeiro dia do ano, as Igrejas antigas celebram o oitavo dia da festa do Natal. Lembram a circuncisão de Jesus, rito que, conforme o evangelho, teria ocorrido oito dias depois do nascimento e, através do qual o menino recebia o seu nome. Por isso, antigamente, hoje era também a festa do nome de Jesus. A partir de uma tradição antiga, a Igreja Católica dedica esse dia a Maria, mãe de Jesus. Os papas mais recentes consagram o 1º de janeiro como “dia mundial da paz”, assim como a ONU fala em “dia da irmandade universal”.
O evangelho lido é Lucas 2, 16- 21. Começa pelas palavras “Quando os anjos se afastaram, os pastores disseram uns aos outros: Vamos a Belém para ver o que aconteceu”. Parece mesmo final de festa. O extraordinário parece ter passado e agora se trata de ver a realidade. Os pastores ouviram uma palavra maravilhosa de promessa de salvação. Foram a Belém, mas o que encontraram ali foi uma realidade muito simples, pobre e, de certo modo, decepcionante. O desafio foi ver aquela família de migrantes sem-teto e, naquele quadro, contemplarem o começo da realização de um projeto maravilhoso de Deus.
Esse evangelho é praticamente o mesmo lido na missa da aurora do dia 25, tenho apenas acrescentado o verso 21: “Quando se completaram os oito dias para a circuncisão do menino, deram-lhe o nome de Jesus, como fora chamado pelo anjo, antes de ser concebido”. Apesar de ser sinal de uma sociedade patriarcal que a humanidade precisa superar, a circuncisão nos lembra que a sexualidade deve ser vivida a partir do projeto de vida que a família e o povo têm. Todos e todas são e podem ser consagrados e consagradas ao Amor Divino: meninos e meninas de ambos os sexos, dos mais diferentes gêneros e orientações sexuais.
A circuncisão de Jesus, em seu oitavo dia de vida, confirma que Deus assume a cultura humana de um povo, mesmo em seus aspectos culturais criticáveis, como são o patriarcalismo e o machismo que, em vários momentos da vida, o próprio Jesus criticou. Ao dizer que aos oito dias de nascido, Jesus foi circuncidado, o Evangelho mostra que ele se inseriu plenamente na cultura do seu povo. Ao assumir sua raça e sua pertença ao povo judeu, ele assume seus valores e também suas limitações e lacunas. É nesse processo de inserção cultural e histórica que ele recebe o nome de Jesus. Ieoshuá significa “Deus é Salvação”. Hoje podemos traduzir o nome de Jesus como “Deus Amor é Libertação e Bem-viver”. E a própria vida de Jesus tornou sempre verdadeiro o nome que lhe foi dado como missão. Se cremos em Jesus, não podemos aceitar que Deus possa ser fonte de ódio, intolerância e exclusivismo. O irmão Roger Schutz dizia: Deus só pode amar. De acordo com o evangelho, essa foi a missão de Jesus. Testemunhar isso seja a nossa missão neste ano novo.
Hoje, ao contemplarmos em Maria, a mãe de Jesus, vemos nela a imagem de toda comunidade de fé que gera Cristo em nós. O evangelho diz que “Maria guardava essas coisas e as revolvia em seu íntimo”. Depois de ter dado a luz a Jesus, ela precisa ainda engravidar da palavra de Deus em seu coração e fazer com que ela se torne vida em sua vida. Se não fosse Maria, não teríamos Jesus que nasceu de Maria. Se não fosse a comunidade de fé (a nossa comunidade) o mesmo Jesus não seria gerado em nós, em nossas vidas e nossa missão. Assim como este evangelho diz a respeito de Maria, também nós, como Maria, “guardemos todas essas coisas, meditando-as no coração”(v. 19).
que todos os seres vivos sejam impregnados de paz.
Que as pessoas sofredoras sejam libertadas da dor,
as mulheres grávidas deem a luz sem sofrer
e quem está com frio seja aquecido.
Que os animais sejam livres do medo e da crueldade humana
e toda a natureza, em paz, seja a tua voz e tua força de paz” (Oração budista do século VIII)[1].
[1] - Cf. OFICIO DIVINO DAS COMUNIDADES, Paulus, 14ª ed., 2007, p. 652.