XXII Domingo comum C: Lc 14, 1 e 7- 14.
Nos evangelhos, muitas vezes, Jesus aparece envolvido em refeições. No Evangelho de Lucas por doze vezes Jesus se senta à mesa. Isso não porque Jesus fosse “comilão e gostasse de beber” (cf. Mt 11,19), mas porque a refeição, ao ser sinal de comunhão, de encontro, de familiaridade, anuncia e testemunha a realidade do reino de Deus.
Conforme o trecho que escutamos, hoje, naquela refeição de sábado, na casa do chefe dos fariseus, Jesus observa como as pessoas convidadas fazem questão dos primeiros lugares. Sobre isso, ele diz: “quando fores convidado a uma festa, escolhe o último lugar da mesa, para que quem te convidou, te chame mais para cima”.
Para nós, esse conselho pode parecer apenas estratégico: assuma o último lugar como meio de ser chamado para mais alto. Se fosse assim, seria hipócrita ou oportunista. O que nos faz compreender o sentido da parábola é o seu final: “No projeto divino, quem se engrandece será rebaixado e quem se coloca como pequeno será engrandecido – se subtende: por Deus”. Parece que Jesus retoma aqui o mesmo pensamento do cântico de Maria: “Deus tira os poderosos dos seus tronos e eleva os pequenos”. Por isso, ele diz ao fariseu que o convidou a palavra mais radical: “Quando deres um almoço ou jantar, não convides os amigos e parentes. (...) Chama os pobres, estropiados e cegos...” O reino de Deus faz essa reviravolta e para participar dele, a lógica tem de ser essa.
Na tradição das Igrejas, os padres e pastores costumam interpretar a palavra de Jesus como apelo à humildade. Falam da humildade como virtude pessoal e moral que não muda nada nas relações sociais. No entanto, o que Jesus quis denunciar e transformar foi justamente a estratificação social e não a atitude moral interior de cada um. Humildade é uma palavra que, no latim, vem de húmus, terra fértil. Na realidade, ser humilde significa assumir o seu chão. Como dizia Pedro Casaldáliga: “ser o que se é”. É mais do que a simples modéstia social e nada tem a ver com humilhação. Deus não quer ver ninguém humilhado. A boa notícia do reino é justamente para que, nunca, ninguém seja humilhado. Menos ainda em nome de Deus.
Em nossos dias, a humildade proposta por Jesus significa assumir as causas dos povos oprimidos e das pessoas socialmente humilhadas e junto com eles e elas se inserir na luta justa e pacífica por sua libertação. A comunidade do reinado divino deve ser espaço de irmandade, de comunhão, de partilha e de serviço, que exclui qualquer atitude de superioridade, de orgulho, de ambição, de domínio sobre os outros. Nada de hierarquia e dominío. Quem quiser entrar no reinado divino tem de entrar em outra lógica: a opção de se tornar servidor/a e irmão/ã. Isso é o que Jesus propôs a seus discípulos e discípulas e é o que ele mesmo viveu até a cruz.
Na segunda parte desse evangelho, Jesus propõe ao seu anfitrião convidar os pobres, aleijados e pessoas que eram excluídas das refeições dos religiosos. Além de tomar o último lugar, a inserção junto às comunidades e pessoas mais empobrecidas está ligada à gratuidade com a qual se abre aos últimos. Gratuidade pelo fato de não pedir reciprocidade. Ser mesmo sinal e instrumento de outro modelo de sociedade. Aí se vê que Jesus não está falando apenas da refeição na casa do fariseu, mas sim de como deve ser a comunidade que se coloca como antecipação do reinado divino no mundo.
Na religião do templo e das sinagogas da época de Jesus, as pessoas cegas e aleijadas eram consideradas como pecadoras. Eram doentes, porque Deus as puniu, diziam os fundamentalistas. Por isso, estavam proibidas de entrar no Templo (cf. 2 Sm 5,8) para não profanar esse lugar sagrado (cf. Lv 21,18-23). No entanto, Jesus manda que sejam justamente essas pessoas as convidadas especiais para o “banquete” de quem adere ao projeto divino. Portanto, a refeição de Jesus é contrária ao tipo de espiritualidade do templo que divide as pessoas em puras e impuras. Jesus diz: “É preciso convidar justamente essas pessoas consideradas impuras pela religião. É preciso acolhê-las”.
Na época de Jesus, as pessoas excluídas do culto e do templo eram as cegas, aleijadas e doentes. Hoje, há outras categorias consideradas pecadoras e, por isso, excluídas das comunidades e da ceia celebrada em nome de Jesus. A todas as comunidades, Jesus diz, hoje: é preciso convidar, é preciso acolher. As Igrejas devem ser espaço de acolhida e comunhão para todas, especialmente as pessoas mais carentes, as que são marginalizadas e as pessoas e comunidades de outras religiões.
Na ceia do reinado divino, não pode haver qualquer atitude de superioridade, de orgulho, de ambição. Todos e todas devem viver a mesma postura de humildade no sentido da veracidade e sobriedade de vida, de serviço na comunhão e solidariedade às pessoas consideradas últimas da sociedade.
No último domingo em Belo Horizonte, MG, a Comunidade Comuna do Reino celebrou seus quatros anos de existência sendo comunidade que acolhe, respeita, ama e convida para a partilha na mesa da vida, sem nenhuma discrminação. Todas as pessoas que são discriminadas em outras igrejas ali são acolhidas, abraçadas e respeitadas como filhos e filhas de Deus.
Na Festa do Meu Povo
Zé Vicente
Há vinho, arte, comida
Mesa fraterna servida
A gente pode saciar!
É nossa sociedade
É mundo novo nascendo
Plantado entre os pequenos
A vida vai transformar!
[REFRÃO]
Vinho melhor foi guardado
Pra hora que já soou
Novo céu e nova terra (2x)
Primavera já chegou!
Na festa do meu povo
Há dor transformada em canto
Que brota de rios de pranto
E leva toda a nação!
Na força dos humilhados
Como semente escondida
Vencendo a morte, eis a vida
No canto do nosso chão!
[REFRÃO]
Na festa do meu povo
Há mãos unidas em prece
Que ao nosso Deus agradecem
Cantigas de louvação!
Vestes de sangue alvejadas
Mártires que a luta faz
Filhos e filhas da paz
Em Páscoa-Revolução!
[REFRÃO]
Na festa do meu povo
Há esperança dançando
Cirandas anuciando:
O Reino já começou!
Gente nas ruas da história
Trabalhando a igualdade
Caminhoneiros da verdade
Na manhã que hoje chegou!